Desinvestimento da Petrobrás: impactos sobre o PIB e o emprego

Por Eduardo Costa Pinto e Cloviomar Cararine Pereira, do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas para o Setror de Óleo e Gás da FUP (GEEP)

A Petrobrás, desde sua criação em 1953 por Getúlio Vargas, sempre esteve no centro da política de desenvolvimento do setor de petróleo e gás brasileiro que historicamente é caracterizada por movimentos pendulares. Por um lado, por períodos de maior presença estatal e ampliação de seus investimentos; e, por outro, por abertura ao mercado, buscando a atração de capital estrangeiro para suprir uma suposta ausência de capital necessária aos seus investimentos e de capacidade tecnológica.

Esses movimentos refletem, ao mesmo tempo, o papel desempenho pela questão energética no projeto de desenvolvimento nacional brasileiro e a dupla função (estatal/público e empresarial/privado) que Petrobrás exerce em virtude de sua característica de setor produtivo estatal que deve buscar simultaneamente os benefícios privados (lucros) e coletivos/sociais (aumento do bem-estar da sociedade brasileira e interesses nacionais), uma vez que o proprietário majoritário dessa empresa é o Estado que representa os interesses da população brasileira.

Na década de 1990, o pêndulo no setor de petróleo e gás deslocou-se no sentido de mais abertura ao mercado, sobretudo estrangeiro, com o fim do monopólio da Petrobrás e a estratégia da mesma em se transformar numa empresa semelhante as grandes empresas estrangeiras privadas integradas do setor de óleo e gás mundial. Seja por meio da expansão para o exterior, reduzindo suas operações internas com a saída da Petroquímica e, até mesmo, com a expressiva redução de sua engenharia. Com isso, a empresa reduziu o seu papel da indução do desenvolvimento nacional.

Com a mudanças das políticas setoriais na década de 2000 e a descoberta do pré-sal – maior reserva descoberta nos últimos cinquenta anos no mercado mundial de petróleo –, o pêndulo moveu-se na direção de uma maior atuação/função estatal na medida que a Petrobrás assumiu o protagonismo nesse processo com a expressiva ampliação de seus investimentos (FBCK), sobretudo no segmento de produção & exploração e refino. Entre 2005 e 2013, a FBCF da Petrobrás cresceu 20% em média anual aumentando na indução tanto do crescimento do PIB como do desenvolvimento socioeconômico.   

Gráfico 1 – FBCF da Petrobrás – 2005-2016 (R$ bilhões)*

Fonte: Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do MPOG

Nota*: Esses valores diferem dos dados observados no balanço da Petrobrás devido aos ajustes realizados para transformar o dado contábil na variável macroeconômica FBCF (exclusão dos investimentos no exterior e a separação entre gastos Capex – projetos de investimento – Opex – destinados ao funcionamento da produção)

A partir de 2015, ainda sob a gestão Bendine, o pêndulo da Petrobrás e do setor moveu-se na direção de mais mercado com a aposta na venda de ativos e a redução de seu papel como indutora do crescimento. Ao assumir a presidência, Pedro Parente vai reforçar essa linha ao construir o plano de negócios da empresa (PNG 2017/2021) centrado no desinvestimento e na desintegração, focando a Petrobrás na exploração e produção de petróleo e gás, reduzindo o seu papel na área de refino, da distribuição, dos biocombustíveis, das energias limpas, entre outras áreas.

No âmbito dos benefícios privados, a estratégia atual da Petrobrás pode até trazer lucros no curto prazo ao focar na produção e petróleo cru, no entanto, os resultados têm sido bem aquém do esperado conforme dados do balanço do 3º trimestre de 2017¹. Isso ocorre em virtude da redução das margens do refino e da distribuição que parece ser uma estratégia deliberada, mesmo com a recuperação do consumo de derivados, que tem como objetivo a venda de ativos desses segmentos² e abrir espaço para novos entrantes estrangeiros. Os lucros desses segmentos que poderiam melhorar o caixa da Petrobrás estão indos para os importadores e os distribuidores privados e para os refinadores internacionais (especialmente dos EUA).    

Mesmo que essa estratégia estivesse obtendo êxito no curto prazo, o que não está se verificando, ela não leva em conta as características cíclicas e a estrutura de mercado desse setor marcado por elevadas amplitudes dos preços do petróleo. Para reduzir esses riscos, as grandes petroleiras adoram expressiva integração vertical de suas atividades (do poço ao poste) como modelo de negócio.

No plano dos custos sociais, a política de desinvestimento e venda de ativos atual da Petrobras tem impactado direta e indiretamente da desaceleração do PIB e do emprego brasileiro. Segundo o documento Pauta do Brasil (FUP, 2016)³, a Petrobrás estimou os impactos (direto, indireto e renda) dos seus investimentos sobre o PIB brasileiro e sobre a geração de postos de trabalho.

Os resultados obtidos foram os seguintes: para cada R$1 bilhão gastos em investimentos no país ocorre a geração de cerca de R$860 milhões no PIB (valor adicionado) brasileiro e de 19.300 novos postos de trabalho. Cabe observar que o valor adicionado foi menor do que os gastos com investimentos em virtude da parcela deduzida com os gastos com máquinas e equipamentos importados (dada a regulamentação dos índices de conteúdo local estabelecidos) e com o abatimento dos impostos indiretos (IPI, ICMS e outros) (FUP, 2016).

A partir desses resultados dos impactos é possível estimar (de forma simplificada) os efeitos da política de desinvestimento sobre o PIB brasileiro e sobre a geração de emprego. Entre 2011 e 2013, o somatório das variações acumuladas do investimento foi de R$ 24,6 bilhões, ao passo que ocorreu uma redução de R$ 51,3 bilhões entre 2014 e 2016. Isso implicou num acréscimo do PIB de R$ 21,2 bilhões (acumulado 2011/2013) no período de expansão dos investimentos e de queda de R$ 44,1 bilhões (Quadro 1).

No que diz respeito aos efeitos da queda dos investimentos sobre a geração de novos postos de trabalho, verifica-se que entre 2011 e 2013, o saldo acumulado foi positivo de 474 mil. Por outro lado, entre 2014 e 2016, esse saldo tornou-se negativo em quase um milhão de novos postos de trabalho (redução de 990 mil).

Em linhas gerais, é possível identificar que atual gestão da Petrobras se exime do seu papel de empresa estatal (e de suas funções coletivas) ao mesmo tempo que apresenta o desinvestimento como uma nova forma e única de solucionar a gestão da empresa. Isso tende a reduzir a importância da Petrobrás no próprio setor de petróleo nacional, afetando a sua sobrevivência como negócio no longo prazo.

Nesse contexto, faz-se necessário realizar estudos mais aprofundados sobre as atuais estratégias da Petrobrás e seus impactos sobre o PIB e o emprego, dado as mudanças recentes nos marcos regulatórios do setor (redução dos índices de conteúdo local, fim da obrigatoriedade da Petrobrás como operadora única do pré-sal, etc.), bem como os possíveis impactos dos novos investimentos de outras petroleiras (novas rodadas de leilão) sobre o PIB e o emprego.

Para isso Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP/FUP) está realizando pesquisa (utilizando matriz insumo-produto) que pretende mensurar os impactos da atual política de desinvestimento da Petrobrás e seus efeitos sobre o PIB e o emprego no Brasil, levando em conta as mudanças regulatórias recentes do setor e as novas estratégias de negócio da Petrobrás.

A pesquisa em curso construirá o vetor de investimento do setor e da Petrobrás (compras de bens de capital excluindo importações e impostos indiretos) por meio da utilização da matriz de absorção do investimento (MAI) – desenvolvida por meio de uma parceria do IE/UFRJ, Ipea e BNDES e explicitada incialmente em Dweck e Freitas (2009)[4] e aperfeiçoada por Miguez et. al (2017)[5] – que permitirá estimar os efeitos (direto, indireto e renda/multiplicador keynesiano) sobre o valor adicionado e o emprego da economia brasileira.

Independente da nova mensuração dos efeitos o desinvestimento da Petrobrás (pesquisa em curso no âmbito do GEEP/FUP), os dados e estudos correntes evidenciam o expressivo custo social da redução dos investimentos da Petrobrás sem que isso necessariamente irá gerar benefícios privados (lucros) para a empresa estatal no curto, médio e longo prazo.

Nesse sentido, a Petrobrás deve construir uma governança que ao mesmo tempo mantenha os ganhos empresariais integrando-os com os benefícios sociais e as estratégias nacionais. Isso é possível? Sim, os casos das grandes empresas estatais chinesas (CNOOC, CNODC, Repsol Sinopec) e também da França (Total) nos mostram que é factível esse tipo de articulação.

No entanto, esse caminho da integração entre interesses empresariais e públicos/nacionais tem sido deixado de lado em pró da estratégia que reforçar o mercado (grandes petroleiras estrangeiras, importadoras de derivados – devido a atual estratégia de venda das refinarias – e acionistas minoritários), deixando para um segundo plano os interesses da empresa integrada e da articulação entre energia, projeto nacional e benefícios sociais para a população brasileira (aumento do bem-estar).

¹ Ver https://www.revistaforum.com.br/2017/11/15/petrobras-uma-analise-dos-resultados-do-3o-trimestre-e-estrategia-da-empresa/

² Com a nova política de preços (alinhamento com os preços internacionais) esperava-se um aumento da receita da Petrobrás no refino e na distribuição, no entanto, o que aconteceu foi um movimento contrário, pois, mesmo com o aumento do consumo aparente de derivados (sobretudo de gasolina) nos últimos trimestres, a empresa reduziu sua produção de derivados o que provocou uma queda no nível de utilização de 84%  no 2º trim./2016 para 78% no 3º trim./2017) e, consequentemente, um aumento dos custos de refino (de R$ 8,6 por barril no 2º trim./2016 para R$ 9,3 por barril no 3º trim./2017) nos últimos trimestres. Isso implicou numa perda de cerca de 10% na margem bruta e líquida do refino no último ano e queda na participação de mercado na distribuição com expressivos impactos nas receitas desses dois segmentos. O estranho disso tudo que toda empresa busca mais mercado para obter mais lucro (função empresarial), no entanto, a empresa está indo noutra direção nesses dois segmentos (refino e distribuição).
 
³ FEDERAÇÃO ÚNICA DOS PETROLEIROS (FUP). Pauta pelo Brasil – Relatório Final. Rio de Janeiro, 10 de maio de 2016. Disponível em: http://fup.org.br/pdf/gt.pdf
 
DWECK, E.; FREITAS, F. Matriz de Absorção de Investimentos e Análise de Impactos Econômicos. Rio de Janeiro: [s.n.], 2009. Disponível em: <https://goo.gl/cS81R1>.
 
5 MIGUEZ, T.; FREITAS, F.; SQUEFF, G.; VASCONCELOS, L.; MORAES, T. Uma Proposta Metodológica para a Estimação da Matriz de Absorção de Investimentos (MAI) para o Período 2000-2009. Pesquisa e Planejamento Econômico (rio de janeiro), v. 47, p. 143-176, 2017.