A entrada da China no pré-sal – o país asiático já possui 22,3% das reservas de petróleo e gás natural leiloadas na camada do pré-sal brasileiro – tem chamado a atenção de diversos analistas a fim de compreender quais são os objetivos e as estratégias da política energética chinesa e seus impactos para a economia e política global.
Leia o artigo do economista Rodrigo Pimentel Ferreira Leão*, coordenador do Grupo de Estudos Estratégicos e Pesquisas para o Setor de Óleo e Gás da FUP:
A entrada da China no pré-sal – o país asiático já possui 22,3% das reservas de petróleo e gás natural leiloadas na camada do pré-sal brasileiro – tem chamado a atenção de diversos analistas a fim de compreender quais são os objetivos e as estratégias da política energética chinesa e seus impactos para a economia e política global. Seja por interesses geopolíticos, seja por questões ambientais e/ou pressões sociais, a China tem adotado um conjunto extenso de medidas a fim de modificar sua matriz energética atendendo a dois objetivos: i) o fomento gradual ao desenvolvimento de energias limpas e, ao mesmo tempo, ii) a diversificação tanto dos fornecedores como o tipo de energia utilizados no país.
Em matéria recente, o jornal Valor destaca as duas principais diretrizes da política energética chinesa: i) a redução da intensidade energética em um total de 15% entre 2016 e 2020 e, ii) a ampliação da utilização de fontes de energias renováveis. O próprio jornal lembra que “na esperança de se tornar líder mundial nesse campo, a China já está investindo mais de US$ 100 bilhões em renováveis domésticos. Isso corresponde ao dobro do nível investido pelos Estados Unidos em energia renovável doméstica e supera o investimento anual somado dos EUA e da União Europeia”.
Essas duas diretrizes estão subordinadas a um conjunto de interesses geopolíticos, como o maior controle das reservas energéticas, a maior diversificação de fornecedores estrangeiros, a ampliação de parcerias com países considerados estratégicos, entre outros.
Em relação a primeira diretriz, o Key China Energy Statistics 2016 mostra que a China reduziu o seu consumo de energia por unidade do PIB em mais de três vezes, entre 1980 e 2015.
Os dados apresentados no Outlook da BP mostram que a China também tem alcançado seu objetivo de ampliar o uso de energias renováveis diminuindo a participação do carvão.
Entre 2008 e 2016, a contribuição do carvão no consumo energético da China caiu de 72,2% para 61,8%. Uma esforço de redução acentuado se considerarmos que, no mesmo período, a China ampliou seu consumo de energia em quase 50%. O menor uso do carvão foi substituído, em grande medida, pelas energias renováveis, hidrelétrica e o gás natural. Entre 2007 e 2016, o consumo de energias renováveis e de hidrelétrica cresceu, cada uma, cerca de 2,5 pontos percentuais. Ainda que com uma diferença pequena, o gás natural foi quem apresentou a maior expansão dentre todas as fontes de energias consumidas na China, tendo sua participação saltando de 3,4% em 2008 para 6,2% em 2016.
Embora o perfil da nova matriz energética chinesa caminhe para uma maior diversificação, com peso relevantes para diferentes fontes energéticas, é indubitável que o gás natural deve exercer um papel fundamental no processo de transição. Um fato que comprova isso é o papel relevante atribuído à expansão dos gasodutos chineses, principalmente ligando o país à Ásia Central, no ambicioso programa global de investimentos em infraestrutura lançado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), denominado a “Rota da Seda”, com valor estimado em US$ 900 bilhões.
Três aspectos ajudam a entender a relevância do gás natural para as discussões de energia na China. Em primeiro lugar, como lembra a analista da BBC, Carrie Gracie, as iniciativas de expansão dos gasodutos na “Rota da Seda” atendem a um interesse geoestratégico chinês, pois “os oleodutos e gasodutos que atravessam a Ásia Central (…) poderiam servir para fins militares no futuro”1. Em segundo lugar, o gás natural é uma fonte consideravelmente mais limpa que parte de seus substitutos. Em terceiro lugar, entre os principais países demandantes de energia, já existe uma infraestrutura consolidada tanto em termos de escoamento e distribuição do produto, como de utilização para o mais diferentes segmentos.
Somado a esses aspectos, o gás natural liquefeito (GNL) tem proporcionado uma mudança estrutural importante ao flexibilizar e integrar o processo de transporte e distribuição de gás e permitido uma forte expansão da sua utilização. O processo de liquefação do gás permite que o seu transporte seja realizado por navios e tanques ao invés de dutos, o que facilita a expansão da sua comercialização por vias marítimas e terrestres. Segundo um trabalho de Yanna Clara (2015)2, o GNL foi a fonte de energia que mais cresceu no mundo desde os anos 2000, a uma taxa de 7% ao ano.
Além disso, o forte crescimento da produção do shale gas (gás não convencional) principalmente no mercado americano tem impulsionado uma expansão da oferta de gás em nível global auxiliando o abastecimento de vários mercado e a redução do seu preço, bem como reduzindo a dependência do gás convencional fornecido pelos grandes produtores globais.
O objetivo de uma matriz mais limpa, a busca por um maior controle da matriz energética e as inovações de exploração (shale gas) e de transporte (GNL) tem modificado estruturalmente o setor de gás. Considerando-se as amplas possibilidade de uso do gás – energia elétrica, insumo industrial, consumo residencial etc. –, essas mudanças tem se acelerado nos últimos anos. Ao se posicionar como uma energia relativamente limpa, com uma influência menor dos monopólios globais (e cada vez menos atrelada ao mercado de petróleo) e com preços cadentes colocam o gás como uma fonte cada vez mais estratégica no processo de transição energética. Esse cenário não é diferente para o caso chinês.
Um relatório da Shell aponta que até 2020 o mercado global de gás deve se expandir 50%, permanecendo a Índia e a China como os principais importadores. Como um todo, as projeções indicam que o mercado asiático deve se ampliar em 70% até 2030. Os investimentos realizados pelos dois países asiáticos em terminais de regaseificação visa se aproveitar desse cenário.
No 12o Plano Quinquenal, a China planejou construir sessenta novos transportadoras de GNL e ampliar de cinco para quatorze o número de terminais de GNL no país, totalizando um investimento superior a US$ 12 bilhões neste segmento. Em maio deste ano, o Guangzhou Gas Group anunciou a construção de um terminal de importação de GNL com capacidade anual de armazenamento de dois milhões de toneladas. Além disso, a mesma empresa definiu um acordo de importação de GNL de um milhão de toneladas anuais para os próximos 25 anos com a Singapore′s Pacific Oil & Gas.
Segundo dados do governo chinês, a expectativa é que a capacidade de estocagem de gás natural aumente a uma taxa de 17% ao ano entre 2015 e 2025. Esse movimento tem sido liderado pelo GNL. Mesmo quando a compra do gás por meio dos gasodutos está mais barata, a China tem optado pela aquisição por meio de GNL. Com isso, a China simultaneamente tem garantido o aumento da sua capacidade de estocagem de gás diversificando a origem de seus fornecedores.
Segundo o Key China Energy Statistics 2016, enquanto as importações de gás natural por gasodutos em 2015 se originaram de apenas quatro países, as de GNL foram realizadas em acordos com mais de dez países. Entre esses países, nenhum deteve participação maior que 30% no total importado pela China. A Austrália e o Catar, os principais exportadores de GNL para China, responderam por 28% e 24%, respectivamente, do total de GNL importado pelos chineses.
Em relação ao shale gas, um trabalho do BNDES (2013)3 lembra que, desde 2010, a própria China busca acelerar sua exploração de shale gas, uma vez que é uma das maiores detentoras de reservas deste tipo de gás no mundo, a despeito dos grande problemas ambientais que esta fonte energética pode representar. A fim atingir as elevadas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa, a China investe bilhões na aquisição de participações em empresas americanas produtoras de shale gas para conhecer as técnicas de produção utilizadas nos Estados Unidos. Prova de que esse movimento permanece está no acordo fechado no último mês entre a China Energy Investment Corp. e o Departamento de Comércio da West Virginia para investimentos de US$ 83,7 bilhões, nos próximos 20 anos, em projetos de shale gas, estocagem de LGN e produtos químicos. Como resultados de tais investimentos, a China vê, entre 2015 e 2016, a sua produção de shale gas crescer em 76,4%.
Desse modo, fica claro que o movimento da China no pré-sal brasileiro é apenas uma das inúmeras jogadas que o país tem feito no tabuleiro energético global, seguindo seus objetivos de garantir a segurança energética no longo prazo, no qual o gás natural tem um papel crescentemente protagonista.
*Rodrigo Pimentel Ferreira Leão é Mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Foi gestor de planejamento da Petros. Atualmente, é um dos coordenadores do GEEP/FUP e pesquisador visitante do NEC-UFBA. O autor agradece à colaboração de William Nozaki, Cloviomar Cararine e José Sergio Gabrielli para a elaboração deste artigo, eximindo-os de qualquer eventual erro no texto
1 – http://www.bbc.com/portuguese/internacional-39976899
2 – CLARA, Y. O mercado de GNL do futuro: risco ou oportunidade para o Brasil? Blog do Infopetro, 21 set. 2017. Disponível em: https://infopetro.wordpress.com/2015/09/21/o-mercado-de-gnl-do-futuro-risco-ou-oportunidade-para-o-brasil/.
3 – LAGE, E. et al. Gás não convencional: experiência americana e perspectivas para o mercado brasileiro. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, No 37, pp. 33-88, março 2013.