Por Paola Azevedo, doutora em Administração (UFSC) e membro do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas para o Setor de Óleo e Gás GEEP/FUP
O setor de Petróleo e gás no Brasil enfrenta desafios tecnológicos, em virtude de características das atividades de petróleo offshore, por isso, progredir nas explorações e na produção em águas profundas depende de novos conhecimentos e da inovação. As inovações de processo e os avanços nas atividades do setor, como exploração e produção de petróleo offshore, se diferenciam de outros setores da economia, por conta da especificidade e diversidade exigidas em termos de inovações tecnológicas, assim, é essencial a existência de uma Política Industrial bem estruturada que possibilite a superação dos obstáculos inerentes ao setor.
Já em 2013, o IPEA¹ destacava o alto grau de dificuldade técnica atrelada às características da exploração e da produção de petróleo, tais como: as condições climáticas, no ambiente marinho e nas rochas abaixo do leito oceânico; as distâncias consideráveis entre as plataformas e os poços no fundo do oceano, e entre as plataformas e o continente; e a invisibilidade das operações no mar. A junção destas condições físicas e ambientais resultam em uma complexidade tecnológica requerida sem precedentes, fato este que reforça a necessidade contínua de investimento em inovação.
Embora admita-se a complexidade envolvida nas novas tecnologias necessárias para desbravamento do setor, como, por exemplo, a robótica subaquática, sondagens de alta pressão e alta temperatura, nanotecnologia, materiais autorregenerativos, perfuração a laser, modelagem de fluxo de sísmica 4D, dentre outras tecnologias de fronteira, o Brasil e a Petrobras são reconhecidos internacionalmente como pioneiros no desenvolvimento tecnológico da indústria offshore. Esta condição é resultado de uma Política Industrial adotada no passado recente, que forneceu bases adequadas para incentivar o desenvolvimento do setor de petróleo e gás, tais como: aumento do investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), incentivos fiscais, formação de parcerias, e políticas de nacionalização da cadeia produtiva, como a Política de Conteúdo Local (PCL).
A continuidade destes avanços na descoberta de novas tecnologias está relacionada a uma Política Industrial que propicie o desenvolvimento por meio do fomento à P&D e valorização da PCL, uma vez que o conteúdo local expressa a proporção de investimentos nacionais utilizados em projetos, e na realização de determinados bens ou serviços. Especificamente no Brasil, há uma eminente e contínua preocupação em relação à PCL no Setor de Petróleo e Gás, em virtude de sua relevância econômica no cenário nacional. Como já apontado por Gall em 2011², o Brasil é o maior mercado do mundo para bens e serviços do setor petrolífero em alto-mar e a Petrobras a maior compradora. O desafio de criação e fortalecimento do conteúdo local para a empresa e para o país, especificamente neste setor, ocorre desde os anos sessenta, quando a Petrobras empregava esforços no desenvolvimento de fornecedores, os quais se tornaram mais intensos na década de oitenta, e persistem na atualidade.
Embora seja ressaltada a relevância do fortalecimento da Política de Conteúdo Local no Setor de Petróleo e Gás no Brasil, a exemplo de outros países, e se reconheça que estas políticas auxiliaram na consolidação de uma grande indústria fornecedora de bens e serviços no país, geraram empregos, capacitação e inovação, ampliaram os investimentos e estimularam a cadeia industrial, recentemente as reduções realizadas pelo governo nos índices de conteúdo local trouxeram grandes preocupações ao setor. Em discussão desde setembro de 2016, o debate em torno das pretensões do governo para a PCL gerou grande insatisfação por parte federações das indústrias, associações empresariais e de trabalhadores. Em dezembro de 2016 a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) já havia criticado a intenção do governo em reduzir o conteúdo local no Setor de Petróleo e Gás e defendeu que este posicionamento afetaria negativamente o emprego de milhares de trabalhadores, assim como a renda nacional e o investimento das empresas.
Junto à manifestação da Fiesp surgiu o Movimento Produz Brasil, formado por catorze instituições (ABCE, ABEMI, ABINEE, ABITAM, ABIMAQ, Instituto Aço Brasil, Sistema FIEB, Sistema FIEMG, FIERGS, FIESC, FIESP, Sistema FINDES ,Sistema FIRJAN, SINAVAL), o qual pretendia dentre outros objetivos, defender o conteúdo local como um dos mecanismos de política industrial e valorizar a inserção sustentável dos fornecedores nacionais para atingir a retomada do crescimento econômico e recuperação da indústria no país. Além disso, o movimento se posicionou de forma contrária à redução do conteúdo local, como proposto pelo governo. Mesmo diante de todos os posicionamentos contrários à redução, meses de negociação com a indústria, estudos comprovando os possíveis danos ao setor e à economia brasileira, e manifestações de diferentes entes interessados, o governo realizou as reduções no conteúdo local.
Os percentuais globais de conteúdo local para exploração variavam entre 70% e 80% para terra e entre 37% e 55% para mar. A nova regra estabelece 50% para terra e 18% para mar. Em relação ao desenvolvimento da produção, os percentuais globais de conteúdo local variavam entre 77% e 85% para terra e entre 55% e 65% para mar. Com a mudança, a nova regra determina 50% (terra) e 25% para construção de poços, 25% para unidade estacionária de produção e 40% para sistemas de coleta e escoamento (Mar). A nova política de conteúdo local não criou alíquotas específicas para serviços e para bens e equipamentos, assim, conforme estudo realizado pela FIESP, a forma como foram definidas as novas regras permite que o conteúdo local seja alcançado com 0% de máquinas, equipamentos e materiais, os quais são originários da indústria de transformação, resultando em grande prejuízo para o Setor de Petróleo e Gás.
O início da Política de Conteúdo Local (PCL) para o setor de petróleo ocorreu na 1ª Rodada de Licitações da ANP, em 1998, e continuou nos governos subsequentes. Ao longo de quase duas décadas visualizou-se no Brasil a modernização de segmentos relevantes da cadeia, os quais garantiram ao país, na atualidade, a situação de competidor internacional na produção de equipamentos de alta tecnologia. Esta conquista foi decorrente de uma trajetória marcada pelo planejamento de longo prazo, fortalecimento do conteúdo local, e fortes investimentos, especialmente em P&D articulados com o setor produtivo, a exemplo de países bem-sucedidos em termos de desenvolvimento provenientes deste setor, como a Noruega. Entretanto, as recentes mudanças da PCL apresentadas pelo governo brasileiro ameaçam as conquistas já realizadas no setor, impedem o alcance de padrões de excelência no desenvolvimento tecnológico de outros elos da cadeia produtiva, e, sobretudo, ameaçam a segurança da indústria nacional.