Em artigo divulgado na Revista Forum, o economista e professor William Nozaki, que integra o Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas para o Setor de Óleo e Gás da FUP (Geep) ,detalha como o governo Temer vem abrindo mão da soberania estratégica da Petrobras.
Por William Nozaki*
O processo de abertura do setor de óleo e gás anunciado pela atual gestão Temer/Parente tem avançado a passos largos a partir de mudanças nos marcos regulatórios da exploração de petróleo, do encolhimento das frentes de atuação da Petrobras, e da substituição das diretrizes de soberania energética e autossuficiência nacional em petróleo pela priorização da atração de capitais internacionais e pela intensificação da importação de derivados.
Além do visível desinteresse da Petrobras em participar da recente aprovação da segunda e da terceira rodada de concessão dos blocos do pré-sal, que deve acontecer no quarto trimestre deste ano, a empresa vem se retirando paulatinamente dos setores petroquímicos, de biocombustíveis e de fertilizantes entre outros e se desobrigou de atender com suas refinarias a totalidade do mercado nacional de derivados.
Um dos elementos que mais chama a atenção nos pacotes de desinvestimento da Petrobras é justamente a sinalização para a atração de investimentos privados no refino, dada sua importância para o abastecimento do mercado interno e o próprio apontamento no Plano de Negócios e Gestão (PNG 2017-2021) de que deve haver um crescimento de 5,2% entre 2017 e 2021 no mercado brasileiro de derivados.
Além disso, a empresa sinaliza para a venda de até 70% do seu parque produtivo nesse segmento, composto por 15 refinarias e 48 terminais e oleodutos. Ao que tudo indica, a venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM) e do Terminal Madre de Deus, ambos na Bahia, compõe o primeiro sinal de uma sequência de desinvestimentos no segmento.
Sem tais investimentos, a própria Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estima um déficit na importação de derivados de 1,1 milhão de barris por dia em 2030.
Se não houver investimentos no refino, o Brasil precisará expandir a importação de combustíveis, o que se torna ainda mais preocupante nesse momento de retração do mercado como um todo.
Desde 2003, os investimentos em refino tiveram duas grandes fases no Brasil: a primeira de melhoria da qualidade dos combustíveis dada a redução da emissão de enxofre, a segunda de ampliação da capacidade de conversão de óleo em derivados ao se utilizar as refinarias para processar mais petróleo pesado brasileiro. A expansão da capacidade atual de destilação exigiria a implantação de novas refinarias, o que não ocorreu no período anterior e tampouco deve acontecer no momento presente.
Em outras palavras: a Petrobras que até recentemente, com sua política de expansão do parque de refino, capitaneou um processo de substituição de importações de derivados estrangeiros por produtos nacionais agora passa a fazer o inverso criando uma nova jabuticaba à brasileira: a política de substituição “por” importações, onde se abre mão de produzir nacionalmente para se intensificar a dependência das importações. Vejamos.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem cadastradas 379 empresas autorizadas a realizar a importação de derivados para o Brasil, tais como nafta, solventes, gasolina, asfalto, óleo diesel, biodiesel, óleo combustível, gás liquefeito de petróleo (GLP), querosene para aviação (QAV), além do próprio petróleo.
Desse total de licenças, 116, ou seja, 30,6%, foram cadastradas a partir de 2016 na ANP. O crescimento no número de importadoras de derivados revela, do ponto de vista macroeconômico, a diminuição da capacidade de autossuficiência e de abastecimento do mercado nacional, e, explicita, do ponto de vista microeconômico, a intensificação da abertura econômica desse setor para outros players de fora do país.
Considerando as novas licenças oferecidas a partir de 2016, observa-se a acelerada presença de empresas estrangeiras beneficiadas recentemente com a autorização da ANP para a venda de derivados no país: 75% na importação de GLP, 71% na de óleo combustível, 63% na de óleo diesel, 50% na de nafta, 42% no QAV, 41% na de solventes, 38% na de gasolina. O único segmento para o qual não houve nenhuma licença concedida a empresas estrangeiras foi o de asfalto, não por acaso, o derivado que exige a menor intensidade tecnológica.
Há ainda o imenso lucro que está sendo realizado por estas importadora neste processo, no caso do GLP, comparando o preço internacional (cotação pelo Mont Belvieu em dólar americano) em 30/06/2017 o preço da tonelada para a indústria local estava 39,1% acima do preço internacional acrescido da internação. No caso do diesel, nosso maior derivado consumido no país, o preço interno está 11% acima do internacional (golfo americano) acrescido da internação.
No total, a presença de empresas estrangeiras importando derivados para o Brasil chega a cerca de 22,5% do nosso mercado com viés de alta, dada a diretriz de intensificação da venda dos ativos. Já no que diz respeito às quantidades importadas em litros, o mercado brasileiro depende da compra de cerca de 35,6% do conjunto de derivados utilizados no país.
A presença de empresas norte-americanas é a mais intensa, 18 delas vendem para o Brasil e respondem por cerca de 12,15% dos litros da importação de derivados, os 23,4% restantes dividem-se, por ordem de maior à menor presença, entre empresas japonesas, alemãs, inglesas, suíças e espanholas.
Quando observadas individualmente, entretanto, chama a atenção o papel das grandes petrolíferas produtoras-importadoras: a Petronas da Malásia responde por 8,7% da importação para o Brasil, a inglesa Castrol por 1,5%, a anglo-holandesa Shell por 8,5% e a francesa Total por 1,8%, aliás, vale destacar, as duas últimas representam os interesses do capital privado das chamadas Sete Irmãs, grupo composto pelas grandes companhias do setor.
A redução do papel da Petrobras no refino e o aumento da entrada de players internacionais no país são potencializados pelo estabelecimento de uma política de preços fortemente atrelada ao mercado internacional e pela menor utilização da capacidade instalada nas refinarias nacionais. Desse modo, os distribuidores tem menor oferta para adquirir internamente os derivados de combustíveis e os preços oferecidos pelos importadores tornam-se mais atrativos.
Com a expansão do refino – no período entre 2003 e 2014 – e com a Petrobras se responsabilizando pelo atendimento de todo o mercado interno, o país caminhava para uma situação na qual seria possível atender todo nosso mercado de consumo pela produção nacional, deixando um maior margem de manobra para a definição dos preços dos derivados. No entanto, a interrupção desse processo nos condena à posição de price taker (tomador de preço) ao invés de price maker (formador de preço).
No momento em que poderíamos nos transformar em um país soberano em petróleo, auto-suficiente em derivados e um player global relevante para a fixação do preço internacional do barril nossas elites seguem o caminho mais curto e preguiçoso, o de ceder os anéis junto com os dedos para não ter que usar suas mãos para trabalhar em favor da reconstrução do desenvolvimento nacional.
*William Nozaki é Professor de Ciência Política e Economia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP). O autor agradece às observações dos demais integrantes do grupo: Cloviomar Cararine, José Sérgio Gabrielli e Rodrigo Leão