Anunciado o prejuízo da Petrobrás em 2016, o terceiro em exercícios anuais subsequentes, não obstante ser o mesmo resultante de opção gerencial que reduziu drasticamente o valor de ativos patrimoniais, de modo a facilitar sua apropriação por operadores privados – o que vem de ser questionado em meios e instâncias próprias -, a sanha destruidora do patrimônio público, de imediato, sobe o tom, e clama pela automática privatização da gigante.
Afinal, a perda de controle acionário estaria prevista na Lei das Sociedades por Ações, Lei 6.404/76, clamam profetas do Deus-Mercado.
Será verdade?
A FALSA POLÊMICA
Golpes pressupõem o falseamento da verdade mediante a edificação de mitos, aqui compreendidos desde os “Protocolos dos Sábios de Sião” às “Pedaladas Fiscais”. Estender o Golpe à destruição da Petrobrás, do mesmo modo, depende do quanto se convençam a opinião pública e o Judiciário com outros mitos, tais como sua “ineficácia” e os “privilégios” de seus empregados.
É nesse contexto que se insere o mito da perda do controle acionário, por parte da União, após o terceiro prejuízo seguido, ou, pelo menos, o mito da controvérsia legal a respeito desse tema.
Examinemos os dispositivos.
I – A LEI DAS SOCIEDADES POR AÇÕES – 6.404/76
Art. 111. O estatuto poderá deixar de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto no artigo 109.
§ 1º As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.
§ 2º Na mesma hipótese e sob a mesma condição do § 1º, as ações preferenciais com direito de voto restrito terão suspensas as limitações ao exercício desse direito.
§ 3º O estatuto poderá estipular que o disposto nos §§ 1º e 2º vigorará a partir do término da implantação do empreendimento inicial da companhia.
Caput – Temos, portanto, ações sem necessário direito a voto, as quais, na atual composição do capital da estatal Petrobrás, são majoritárias.
Parágrafo 1º – Tais ações ganhariam direito a voto, caso não distribuídos os dividendos mínimos respectivos, por três exercícios consecutivos.
Caracterizada então a perda de controle acionário por parte da União, correto?
Errado!
Lei alguma existe à revelia do restante do ordenamento. Prossigamos.
II – A LEI DAS CONCESSÕES EM PETRÓLEO E GÁS – 9.478/97
A Lei que fez o Brasil retroagir, em termos de exploração de seus recursos naturais, aos marcos jurídicos do Séc. XIX, é também o Estatuto Fundacional da Petrobrás, em seu Capítulo IX, artigos 61 a 66, dos quais vale a leitura do 62.
Art. 62. A União manterá o controle acionário da PETROBRÁS com a propriedade e posse de, no mínimo, cinqüenta por cento das ações, mais uma ação, do capital votante.
Parágrafo único. O capital social da PETROBRÁS é dividido em ações ordinárias, com direito de voto, e ações preferenciais, estas sempre sem direito de voto, todas escriturais, na forma do art. 34 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Caput – A União SEMPRE terá maioria do capital votante.
Parágrafo único – Ações preferenciais NUNCA terão direito a voto.
No Estatuto Social da Estatal – não o fundacional -, tal reserva é reproduzida em seu artigo 5º
Há, então, conflito de leis! Uma antinomia!
Novo equívoco!
III – UM BOM HERMENEUTA
Recorrendo à lição do vetusto e nunca desautorizado Carlos Maximiliano, hermeneuta por excelência, antinomias e contradições nos textos legais não se presumem.
1. Sentido e Alcance da norma, segundo sua Finalidade
Ora, a Lei das Sociedades visa à regulação de tais entidades de direito privado. A Lei do Petróleo e Gás visa à de uma determinada atividade econômica, monopólio da União (Constituição, artigo 177).
As normas destinam-se a objetos distintos, o que já nos informa como as harmonizar. Mas há mais!
2. Regra Geral e Exceção Particular
Aqui, mais explicitamente, harmonizam-se as normas: uma a prever como todas as sociedades por ações funcionarão, outra a preservar o império da União, por reflexo do monopólio estatal da atividade.
3. Sucessão da Lei do Petróleo
Ainda que não já harmonizadas as normas, se antinomia houvesse, prevaleceria, nesse tópico analisado, a Lei do Petróleo, na medida em que, posterior, afastaria a aplicabilidade do dispositivo da anterior com ela em conflito.
Tal afastamento, que se daria até implicitamente, encontra irônico amparo na cláusula de revogação, último artigo da Lei 9.478/97, de número 83.
IV. CONCLUSÃO
É falsa a polêmica lançada.
Mantido o atual ordenamento, a União será acionista controladora da Petrobrás, em nada importando o número de prejuízos que venha a estatal a apresentar.
Rio de Janeiro, 21 de março de 2017
Normando Rodrigues
OAB/RJ 71.545