Por Rodrigo Pimentel Ferreira Leão, economista e mestre em desenvolvimento econômico. Foi pesquisador do Ipea, DIEESE e gestor de planejamento da Petros
Em recente coluna na Folha de São Paulo, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, afirmou que: “(…) Deveríamos estar empenhados em atrair novos investidores e em criar o ambiente necessário para que o capital disponível no mundo venha para o Brasil”. Segundo o seu raciocínio, existiria um ranço ideológico contrário ao capital estrangeiro e favorável à estatização da economia que impulsionou a atual crise econômica: Portanto, para ele, a superação deste ranço seria uma forma de solucionar a atual crise econômica: “esta é a verdadeira escolha: entre o ranço ideológico, que a poucos beneficia, e a dignidade e o bem-estar que um novo emprego pode proporcionar a milhões de brasileiros e a suas famílias”.
O curioso é que o tal ranço mencionado por Parente fica distante da realidade observada na economia brasileira. Desde a forte liberalização e abertura dos anos 1990, a participação do capital estrangeiro na economia brasileira cresceu enormemente. Seja por meio dos processos de privatizações, seja pelo comércio exterior, a economia internacional teve um intenso acesso ao mercado brasileiro. Santander, HSBC, Chevron, TIM foram apenas algumas das grandes corporações globais que ingressaram no mercado nacional por intermédio da venda do patrimônio público nacional e/ou abertura de mercado oriunda de alterações da legislação brasileira. Todas essas empresas tiveram, na maior parte do tempo, condições macroeconômicas favoráveis para entrar no mercado brasileiro – câmbio relativamente valorizado e baixos salários em termos globais, por exemplo. Não é por outra razão que os investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil saltaram de US$ 6,4 bilhões em 1995 para US$ 93,7 bilhões em 2014. Desde 2003, o crescimento da entrada deste tipo de capital foi de US$ 74,4 bilhões.
Além dos investimentos estrangeiros, as importações também foram liberalizadas e facilitadas – em termos fiscais e cambiais – tanto para bens de consumo, como para insumos industrializados. Segundo Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), as importações de bens de consumo duráveis se elevaram, entre 1995 e 2014, de US$ 4,6 bilhões para US$ 11,7 bilhões. Especificamente, de 2003 até 2014, o aumento foi de US$ superior a US$ 10 bilhões. A Confederação da Indústria Nacional (CNI), num estudo em março de 2015, constata que a penetração de importados na indústria nacional atingiu seu maior valor percentual na história do país. No primeiro trimestre de 2015, o coeficiente de importações na indústria foi de 22,3%. Ou seja, quase um quarto dos insumos utilizados na indústria brasileira tinha origem estrangeira – um crescimento de mais de cinco pontos percentuais em relação a 2010.
No caso do setor petróleo, o acesso das empresas estrangeiras ao mercado nacional não foi diferente. O fim do monopólio do petróleo pela Petrobras e o crescimento da terceirização da estatal de petróleo brasileira geraram um forte canal de acesso do capital internacional ao mercado brasileiro. No início de 2016, a participação das empresas estrangeiras na produção nacional já respondia por cerca de 10% do total. Além disso, várias gigantes, prestadoras de serviço do setor petróleo, como Baker Hughes, Schlumberger, criaram grandes estruturas produtivas no Brasil por intermédio de contratações da Petrobras. Essa permissividade ao capital estrangeiro estancou a crise até momento?
Pelo contrário, o cenário atual simplesmente comprova que a mera entrada do capital estrangeiro – ocorrida ininterruptamente desde os anos 1990 – não se consiste numa solução para os imbróglios presentes. A defesa, pura e simples, de maior participação do capital estrangeiro – desarticulada de objetivos mais estruturais em termos de geração de renda, investimentos etc. – se caracteriza numa mera transferência patrimonial e renda do Brasil para o exterior. No próprio setor petróleo, nota-se que, desde a abertura do mercado, a atuação das empresas estrangeiras se concentra em setores mais rentáveis e dinâmicos – ligadas à exploração e produção principalmente offshore e à distribuição de combustíveis. Ou seja, a atuação do capital estrangeiro é extremamente seletiva, localizada em setores específicos que se coadunam com interesses estratégicos globais dessas empresas.
A retomada dos investimentos e da geração de renda, a exemplo da crise de 2008, necessita de uma ação coordenada do Estado. Ao invés do apoio ao capital estrangeiro, a Petrobras deveria reivindicar seu protagonismo na recuperação da economia. Entre 2003 e 2013, a atuação da Petrobras gerou milhares de empregos na indústria naval. Em termos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), a Petrobras fortaleceu o desenvolvimento de novas tecnologias na área de biocombustíveis, prospecção de petróleo etc. Seus investimentos e demanda por capital sustentaram milhares de empregos na cadeia produtiva metalúrgica, metal-mecânica etc. Ou seja, foi exatamente a atuação estatal a partir da Petrobras – redefinindo a atuação estatal e privada – que impediu um alastramento da crise financeira internacional no país.
No presente momento, a política de redução da Petrobras tem pulverizado todos esses complexos industriais. Em contrapartida, a pressão do capital estrangeiro tem sido não para atuar naqueles segmentos, mas sim em parcelas nobres da indústria petrolífera – pré-sal, gás natural onshore etc. O cenário é temerário, pois, aqui não se questiona a participação do capital estrangeiro – que já é bastante elevada –, mas sim a estruturação de um projeto capaz de responder aos desafios colocados pela atual crise econômica. Nesse projeto, a atuação da Petrobras é central não apenas para impulsionar a indústria nacional, como também para restringir a atuação do capital internacional aos interesses da sociedade brasileira.