O geólogo Guilherme Estrella era diretor de Exploração e Produção da Petrobrás quando a empresa descobriu o pré-sal e abriu um novo horizonte para a extração e exploração do petróleo, mas não só.
Com o novo regime de partilha, surgiu também um fundo social que concentraria recursos oriundos da riqueza para investir em educação, saúde e na qualificação da indústria nacional.
Enquanto em 2002, último do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o investimento em pesquisa era de US$ 110 milhões, em 2016, ano do golpe, já era de US$ 1,1 bilhão. Como resultado, o lucro líquido saltou de US$ 8,1 bilhões em 2002 para US$ 23 bilhões.
Uma trajetória que provavelmente não fosse a mesma caso o país não tivesse eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência.
“Com a vitória de Lula, em 2003, a Petrobrás recebeu indicações muito claras de que tinha de retomar sua importância no setor petrolífero, não apenas por uma questão ideológica, mas por conta dos 50 anos de monopólio que a faziam ser a mais qualificada para exercer esse papel. Houve expansão das áreas exploratórias em 2003, indo contra perfil anterior de não exercer papel hegemônico, e disso houve uma expansão da perfuração exploratória”, recorda Estrella.
Abandonar o navio
A Shell resolveu abandonar o barco, mas a Petrobrás continuou a investir na exploração e a descoberta do pré-sal é resultado disso. “Retomamos aquele volume de investimento em exploração e descobrimos o campo da Bacia de Santos, o maior campo de gás, o de Mexilhão, e a partir disso fomos ao pré-sal, atravessamos os dois mil metros de espessura do sal e chegamos ao pré-sal. Dependeu da nossa competência exploratória produzida pelo monopólio e a decisão do novo governo, o acionista majoritária da Petrobrás, de expandir suas atividades”, lembra.
A batida em retirada da Shell foi uma boa demonstração do quão comprometido é o capital estrangeiro com os interesses nacionais e da capacidade que a companhia brasileira possui para atuar como referência no setor.
Novo regime
Com a descoberta, lembra Estrella, o governo resolveu mudar o regime de concessão para partilha e governo e União passaram a ser proprietários e não concessionários do petróleo.
O regime de partilha (Lei nº 12.351/2010) aprovado durante o governo Lula estabelecia a criação de uma empresa pública brasileira que atuaria junto aos consórcios, com poder de veto, passaria a ser operadora única do pré-sal e criaria o Fundo Social para investir parte dos recursos federais em saúde e educação.
O papel de operadora única era justamente o que mais incomodava as multinacionais e resultou no PL nº 4.567/2016, projeto de lei de José Serra (PSDB-SP), aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 5 de outubro.
“Desde o início, o grande ponto de tensão foi a Petrobrás ser a operadora única, porque é quem decidiria projeto, tecnologia, modelos de operação, contratação de equipamentos. O operador nos consórcios tem função primordial, especialmente para o Brasil, um país de industrialização muito tardia. Para nós, a Petrobrás é ferramenta de desenvolvimento industrial. Ainda mais em se tratando de uma riqueza que dá ao país soberania e autossuficiência energética para todo o século 21 e para inovação e desenvolvimento tecnológicos. Ter a Petrobrás como operadora única é uma oportunidade de ouro que não podemos perder”, defende.
Autonomia
A empresa continua como operadora preferencial, mas isso, na visão de Estrella, não é suficiente, porque estará sujeita aos devaneios de um governo ilegítimo e golpista, por exemplo. Para ele, uma questão que afeta a soberania nacional jamais deveria ter sido mexida.
“A posição da Petrobrás como operadora única não pode depender de decisão da empresa, é questão de Estado. Essa discussão está sendo travada numa dimensão apequenada do que significa ser operador do pré-sal no Brasil. Isso é uma questão de interesse de Estado, tem de estar na lei para ser cumprida.”
Condições, defende, não faltam à companhia. Mas é precisão haver uma política de extração e exploração do pré-sal, algo que não dependeria sequer da iniciativa privada.
“Durante duas décadas não é mais necessário fazer licitação, os projetos que estão aí já são suficientes para dar autossuficiência ao país até ao menos 2050. Tem de haver política de preservação desses recursos que serão transformados em riquezas e de atendimento a um desenvolvimento nacional que é de médio e longo prazo. E pré-sal não é só energia, é fertilizante e petroquímico de longo prazo. O gás do pré-sal é muito rico em insumos básicos de fabricação de fertilizantes para décadas. Qualquer país preservaria isso”, critica.
Batalha perdida?
Apesar de dura, a batalha contra os entreguistas não está perdida e terá mais um capítulo em 11 de novembro, Dia Nacional de Greve, como aponta o coordenador-geral da FUP (Federação Única dos Petroleiros), José Maria Rangel.
“A Petrobrás ainda tem a opção de ser a operadora dos campos ou não, mas avaliamos que esse governo nunca irá querer. Agora, o grande problema é que ele é o primeiro passo para acabar com a lei de partilha, algo citado, inclusive por Aleluia (José Carlos Aleluia – DEM/BA) durante a Comissão Especial que tratou do PLS (Projeto de Lei do Senado) do Serra. Aí seria um prejuízo incrível, porque não tem mais recursos carimbados para saúde, educação, a política de conteúdo local”, explica.
A diferença da concessão em relação ao regime de partilha é que no primeiro, devido ao alto risco exploratório, quem ganha o leilão fica com a riqueza. Já na partilha, como toda a região do pré-sal está mapeada e não há risco de perder investimento, o governo determinou um modelo em que o óleo pertence ao país, que cede a área para exploração de quem der maior retorno financeiro.
Para Rangel, nas mãos de Pedro Parente, escolhido por Michel Temer (PMDB) para comandar a Petrobrás, a companhia enfileira uma série de equívocos.
“Estamos voltando aos anos 1990, quando Petrobrás abriu mão de petroquímica, fertilizantes, área de gás. Temos afirmado que a sociedade é quem vai pagar a conta desse desprezo a setores periféricos. No governo do presidente Lula, ele comprou a Liquigás para regular o preço e agora os golpistas querem vender. O desmantelamento da Petrobrás integrada traz um prejuízo enorme para a sociedade brasileira”, defende.
Diante disso, fala, os petroleiros enxergam o dia 11 como um passo fundo na mobilização em defesa das riquezas do país.
“Estamos mobilizados desde último dia 31, orientando sindicatos a realizarem grandes atos, atrasos, cortes de rendição e tendo como ápice o dia 11. Já estamos há uma semana mobilizando porque, além da questão nacional, estamos em campanha salarial e em momento muito difícil de venda de ativos na empresa.”
VIA CUT