Dentro da já polêmica e ainda desconhecida reforma trabalhista que o governo Temer quer promover, uma medida é símbolo do retrocesso que se tenta impor aos trabalhadores. Para agradar ao empresariado, a gestão defende a aprovação de um projeto que “flexibiliza” a CLT e permite que acordos entre sindicatos e empresas se sobreponham à legislação. Relator da matéria, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB) diz que a proposta é “perversa”, ameaça direitos e só atende aos interesses do capital.
De acordo com o parlamentar, o projeto “viola” a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é um conjunto de regras que protegem o trabalhador. Segundo ele, mais grave ainda é o fato de que esta discussão se dá em um momento de crise econômica, em que trabalhadores e sindicatos estão fragilizados.
“Há um ambiente de crise econômica e grande desemprego. No momento de hoje, para levar um prato de comida para casa, o trabalhador aceita qualquer negócio. Se tiver que baixar salário, aumentar jornada de trabalho ou abrir mão de direito para preservar o emprego, muitas vezes, em um ambiente de crise econômica, o trabalhador abre mão de qualquer coisa”, avaliou, apontando a desigualdade entre as partes em uma negociação nessas circunstâncias.
O governo argumenta que medidas impopulares como esta têm como objetivo “modernizar” as relações de trabalho e poderiam ajudar na geração de empregos, uma vez que significariam menos custo para os empregadores. Orlando Silva, contudo, desconstrói este discurso. “Modernizar as relações de trabalho é um eufemismo que a burguesia utiliza para a retirada de direitos. Quer dizer precarizar as relações de trabalho”, afirmou.
Ele lembrou que o próprio ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, chegou a defender a elevação do limite da jornada diária de trabalho de 8 para 12 horas. Depois, o ministro voltou atrás e disse ter sido mal interpretado. Aliás, as idas e vindas, os desmentidos e as retificações têm sido praxe neste governo.
“Há um limite na lei para horas extras. Se você flexibilizar a CLT, não haverá limites para as horas extras, por exemplo. Então essa conversa de geração de emprego e modernização do trabalho é uma grande falácia. O que se pretende é criar mecanismos para assegurar os ganhos do capital. Num ambiente de crise e dificuldade econômica, eles tentam transferir para os trabalhadores o custo da crise. É uma medida perversa e temos que impedi-la”, alertou.
Na prática, o projeto que coloca o acordado sobre o legislado propõe que negociações coletivas entre empregados e empregadores prevaleçam sobre alguns pontos previstos em lei. As negociações coletivas são consideradas uma conquista do trabalhador, desde que sejam para ampliar direitos, jamais para suprimi-los ou reduzi-los, algo que poderá ocorrer caso a reforma de Temer seja levada adiante.
Especialistas apontam que fazer com que o acordado se sobreponha à lei pode levar a um desequilíbrio, já que os empregadores negociam a partir de uma condição de poder maior em relação aos trabalhadores. Mais ainda em um momento de crise, em que todos querem preservar seus empregos. Além do mais, em um cenário no qual algumas categorias possuem sindicatos pouco representativos, questiona-se também o poder que essas entidades teriam para definir aquilo que pode ser a supressão de direitos coletivos.
“No Brasil, temos milhões de trabalhadores e milhares de entidades sindicais de diversas dimensões. Essa mudança na regra vai valer para todo mundo. E, num ambiente de informalidade crescente na economia, isso fragiliza os sindicatos. Propor uma medida dessas, esse golpe nos direitos dos trabalhadores, num momento de defensiva dos sindicatos, é um ato de perversidade”, opinou Orlando Silva.
Parte do golpe
Para o deputado, o ataque aos direitos trabalhistas deve ser entendido como parte do processo que levou ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “O golpe foi contra a democracia, porque desrespeitou uma presidenta eleita pelo povo, mas foi sobretudo uma necessidade para impor uma agenda ao país que não passaria pelo crivo das urnas”, defendeu.
Segundo ele, a violação das leis trabalhistas é mais uma medida do “pacote de maldades” que só agora o governo explicita. “Consolidado o golpe, cai a máscara da defesa da ética e aparecem as verdadeiras razões que motivaram esse grande conluio para apear a presidenta Dilma. Eles vão colocando as garras de fora”, afirmou.
“Quem fosse às eleições dizendo que iria fazer reforma da Previdência e iria acabar com a CLT, seguramente não teria o voto do povo. Mas eles precisam fazer isso para garantir os ganhos do capital. Num ambiente de crise econômica, para o capital ser atendido, você vai e retira direito dos trabalhadores. Esse é o pano de fundo dessa disputa que está em curso”, completou.
Sem votos
Com dificuldade de conseguir quórum para aprovar medidas prioritárias para a gestão, o governo Temer já fala em deixar a votação da reforma trabalhista para o próximo ano. A justifica que adota, no entanto, é a de que é preciso priorizar a análise da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelece um teto para o crescimento dos gastos públicos.
Segundo Orlando, Temer deve trabalhar para adiar a análise dessas matérias porque faltam votos ao governo. “As reformas trabalhista e previdenciária devem ficar para o ano que vem porque o governo não tem voto para aprovar. Pode anotar aí. Eles vão bater cabeça, vão protelar e vão jogar para o ano que vem, porque não têm apoio. Os deputados temem uma reação popular a essas medidas. O governo não tem 308 votos para aprovar a PEC do teto e mesmo deputados que apoiam o governo já se manifestaram contra as reformas. Eles vão adiar porque não têm voto”, analisou.
STF se antecipa à reforma
Outra questão é que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem tomado algumas decisões que, de certa maneira, antecipam o sentido das medidas propostas pelo governo. Quer dizer, aos poucos a corte vai criando jurisprudência que alguns apontam que poderia até tornar desnecessárias algumas medidas por parte do governo. E, ao fazer isso, pode desobrigar, de algum modo, a gestão de adotar medidas tão impopulares.
Na terça-feira passada, o ministro do STF Teori Zavascki reformou decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que havia derrubado acordo coletivo, por entender que os termos negociados iriam contra regras previstas na legislação trabalhista. A empresa em questão, uma usina pernambucana, alegava que firmou acordo, aprovado pelo sindicato, no qual trocou as horas extras por outros benefícios.
Em outro caso, de relatoria do ministro Roberto Barroso, o Supremo deu ganho de causa a um banco que havia feito acordo no qual quitava dívidas com os trabalhadores que não entrassem na Justiça após o pagamento.
De acordo com a Agência Brasil, as recentes decisões foram comentadas pelo ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, nesta segunda (19). Segundo ele, a sinalização do Supremo abre espaço para mudanças definitivas na legislação e devem “encorajar” propostas nesse sentido.
“Quero crer que essas decisões judiciais deverão servir para fortalecer o nosso debate de defender que se aprove a prevalência do acordado sobre o legislado”, disse ele, em declaração na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), reproduzida pela Agência Brasil.
“Estou trabalhando para que a gente pegue essas decisões e avance, se encoraje. Se a Justiça do Trabalho e a Suprema Corte do país já estão reconhecendo, por que não avançarmos também no âmbito do Legislativo?”, acrescentou.
Mobilização
Para Orlando Silva, diante do ataque aos direitos dos trabalhadores, é preciso que haja grande mobilização popular. “Temos que lutar muito para impedir que esse retrocesso aconteça. Porque se aprovam um projeto desse, muitos direitos vão ser perdidos. Tem que ter muita mobilização para impedir que mais esse golpe se dê”, encerrou.
Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho