Começou nesta quinta-feira, no Senado Federal, o julgamento final do processo de impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff, que deve durar até terça-feira (30). Conduzida pelo ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, esta última fase processual é destinada ao depoimento de testemunhas, em oitivas que podem se estender até o fim de semana.
Na segunda-feira (29), é a vez de Dilma ser ouvida pelos 81 senadores no plenário da Casa. Para que ela seja absolvida, PT e aliados precisam evitar que 54 parlamentares votem favoravelmente ao impedimento. O número corresponde a 2/3 do plenário.
Ocorrida nove meses após o início do trâmite na Câmara Federal e quatro meses depois da chegada do processo ao Senado, esta fase final traz um visível acirramento dos ânimos entre parlamentares pró e contra oimpeachment, que desde as 9:30 protagonizam calorosos debates.
“Este é um processo em que o rito é mais importante do que o conteúdo. Por diversas vezes, os direitos da defesa foram tolhidos, sem considerar nem mesmo que é uma presidenta da República que está sendo julgada. A Constituição Federal nos dá um prazo de até 180 dias, e nós estamos fazendo em cerca de 90 dias. É um absurdo”, disse na tribuna a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que pediu a Lewandowski que os prazos previamente acordados não sejam flexibilizados.
“É preciso garantir o direito de defesa, sempre”, reiterou a petista. O pedido dela ao magistrado é uma referência à tentativa dos parlamentares pró-Temer de agilizar o fim do julgamento. Entre outras coisas, os governistas têm dito que seria importante para o presidente interino a resolução do impeachment antes da Cúpula de Líderes do G-20, que ocorre nos dia 4 e 5 de setembro na China. O presidente interino tem a previsão de embarcar para o país na quarta-feira (31).
“Na nossa avaliação, a questão não é exatamente o G-20. Na verdade, eles estão com medo de uma eventual delação do deputado (afastado) Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tende a levar os golpistas todos juntos”, alfinetou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Durante toda a manhã, os debates no plenário giraram em torno de questões de ordem apresentadas por aliados de Dilma, na tentativa de convencer o ministro Lewandowski a intervir no processo de impeachment e impugnar os trâmites.
Senadores da base aliada de Temer, entre eles Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Magno Malta (PR-ES), criticaram as intervenções, afirmando que a intenção seria “turvar o processo”. “Este é um direito nosso e ninguém vai nos tirar isso por conta de uma ansiedade política de querer resolver tudo logo”, afirmou a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO).
Esta é a segunda vez na história do Brasil que a casa legislativa julga um presidente da República num processo de impeachment. Dilma é acusada de ter editado, no ano passado, decretos de créditos suplementares sem autorização legislativa e também da prática das chamadas “pedaladas fiscais”, referentes a repasses do Tesouro ao Plano Safra.
A defesa da presidenta tem reiterado que os argumentos são “frágeis” e que as provas materiais, produzidas inclusive pela perícia técnica do Senado, têm provado a inocência dela diante das acusações.
Tensões
O clima de beligerância entre o advogado de defesa de Dilma, José Eduardo Cardozo, e a advogada de acusação, Janaína Paschoal, foi uma das marcas deste primeiro momento do julgamento final.
Outro ponto crítico da disputa foi um intenso bate-boca entre Lindbergh e Caiado, que trocaram acusações após a senadora Gleisi Hoffman criticar a postura do plenário diante do processo de impeachment. “Este Senado não tem moral pra julgar a presidenta Dilma”, disse.
A frase provocou reações de diversos parlamentes e o acirramento dos ânimos não só ofuscou como adiou o depoimento das testemunhas, que teve início somente no período da tarde.
A tarde voltou com o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio de Oliveira, que, entre outras coisas, responde a perguntas relativas a questões fiscais do governo Dilma.
Durante a oitiva, Lewandowski decidiu reposicionar o procurador na sessão como “informante”, e não mais como testemunha da acusação. Cardozo havia pedido sua suspeição, afirmando que Oliveira atuou no processo de análise das contas de Dilma e formulou as teses do denunciante.
Próximo às 18h, a sessão teve um novo intervalo, com previsão de retomar os trabalhos às 19h. Esta é a última pausa do dia de hoje, segundo o ministro do STF.
Discordâncias internas
O julgamento do impeachment começa marcado por uma divergência entre a bancada do PT no Senado e a direção da legenda, que se manifestou contrária à proposta de plebiscito para novas eleições feita publicamente por Dilma Rousseff.
O presidente do PT, Rui Falcão, tem dito que considera a proposta inviável inclusive porque os trâmites eleitorais levariam o pleito a ocorrer somente em 2018, ano de renovação do mandato presidencial. O diretório espera reverter o placar do impeachment e depois, caso se confirme um eventual resultado favorável, batalhar pela governabilidade.
Em nota publicada na quarta-feira (24), a bancada do PT no Senado afirmou que respeita a decisão da legenda, mas sustentou que o momento “impõe medidas corajosas”. “O ideal seria que a presidenta Dilma voltasse ao cargo, promovendo um reencontro do Brasil com a democracia, e fizesse um plebiscito”, disse o senador Jorge Viana (PT-AC).
Além dele, os senadores Fátima Bezerra (PT-RN), Paulo Paim (PT-RS) e Lindbergh Farias (PT-RJ) também falaram ao Brasil de Fato sobre o posicionamento da bancada. “Nestas circunstâncias, o melhor a fazer é consultar o povo, é a soberania popular”, disse Lindbergh, líder da minoria na Casa.
Conforme as previsões, ele confirmou que esse será o teor do discurso de Dilma na próxima segunda-feira (29), durante o julgamento. “Esse movimento dela é decisivo aqui no plenário. Não tenho dúvidas de que será um momento que vai marcar a história do país”, afirmou.
Placar
Nos bastidores do Senado, o clima se assemelha ao de uma corrida eleitoral, e a disputa deve se intensificar conforme se aproxima a data da votação, na próxima terça (30).
Num exercício de futurologia, parlamentares governistas e aliados, entre eles o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB); o líder do Democratas (DEM) na Casa, Ronaldo Caiado (GO); e o senador Raimundo Lira (PMDB-PB), falam em no mínimo 59 votos, mesmo número que consagrou a abertura do processo na primeira votação ocorrida no Senado, em maio.
“Trabalhamos com uma folga que pode chegar a 61, e não acredito em mudança de voto dos senadores. Também acredito que poucos parlamentares farão perguntas nas sessões, em função do esgotamento do assunto”, projetou Lira, salientando que o processo tem ao todo mais de 13 mil páginas, divididas em 33 volumes.
Mas o otimismo não tem sido um elemento apenas do discurso dos favoráveis ao impeachment. Senadores petistas e aliados têm dito reiteradamente que ainda acreditam numa virada de jogo, com 22 votos certeiros e uma elasticidade de até 28.
“A situação é difícil, não há como negar, mas não jogamos a toalha. Os indicativos das últimas votações mostram que eles têm mais de 50 e somente a fala da presidenta na segunda pode ajudar a mudar isso”, disse Paulo Paim (PT-RS), para quem as sessões de julgamento desta quinta (25) e de sexta-feira (26) “não terão impacto nenhum”. O petista diz acreditar mais no jogo político do que no peso das oitivas das testemunhas.
Mais de dez parlamentares não declararam posicionamento, entre eles Elmano Férrer (PTB-PI) e Otto Alencar (PSD-BA). O presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem feito mistério sobre sua participação na votação. No primeiro turno, ele se absteve. O voto do peemedebista é considerado estratégico para a legenda, tendo em vista o histórico de rivalidade dele com Temer.
Em conversa com a imprensa, Lindbergh (PT-RJ) ressaltou que, na segunda (29), espera que os senadores façam diversas perguntas a Dilma. “Nós temos aqui no plenário seis parlamentares que são ex-ministros dela e hoje estão na oposição, então, eles conhecem bem a presidenta e sabem que ela é honesta, conhecem a conduta dela”, pontuou.
A fala do petista é uma referência aos senadores Eduardo Braga (PMDB-AM/Minas e Energia), Edison Lobão (PMDB-MA/Minas e Energia), Garibaldi Alves (PMDB-RN/Previdência), Marta Suplicy (PMDB-SP/Cultura), Fernando Bezerra (PSB-PE/Integração Nacional) e Eduardo Lopes (PRB-RJ/Pesca).
Outros três ex-ministros do governo do PT também integram o plenário do Senado, mas são contrários ao impedimento. São eles: Gleisi Hoffmann (PT-PR/Casa Civil), Kátia Abreu (PMDB-TO/Agricultura) e Armando Monteiro (PTB-PE/Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).
Blindagem a Temer
Durante entrevistas nos bastidores do Congresso, e também na tribuna do Senado, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) salientou que uma eventual consagração do governo interino levaria ao que chamou de “blindagem” de Temer e do PMDB.
“Se ele assumir de vez a Presidência da República, vai conquistar imunidade processual. Isso significa que ele não poderá mais ser investigado por nenhum ato precedente ao mandato”, destacou o petista, citando dispositivos da Constituição Federal de 1988.
“Seria um absurdo, porque muitas acusações pesam contra ele, entre elas a de recebimento ilegal de R$ 10 milhões da Odebrecht em 2014. Se votarmos pelo impeachment, além de estarmos afastando uma presidenta inocente, estaremos também blindando o presidente interino de investigações importantíssimas. E mais que isso: ele é presidente do PMDB. Se virar presidente de vez, isso vai blindar todo o partido”, alertou Lindbergh.
O líder também teceu fortes críticas a Renan Calheiros por conta da aproximação dele em relação a Temer durante o rito do impeachment.
“Eu acho que tem coisas tristes acontecendo. Os jornais estão trazendo hoje a informação de que ontem à noite, por exemplo, os dois [Temer e Calheiros] tiveram um encontro tarde da noite para tratar do encerramento do processo o mais rápido possível. No momento, nós senadores somos juízes, e juiz não negocia com a parte. Não vamos aceitar imposição de prazo final”, bradou o líder da minoria, que iniciou a primeira parte da sessão apresentando uma questão de ordem para tratar do encontro de Temer e Calheiros.
Lindbergh pediu ao ministro Lewandowski que o fato fosse considerado como comprometedor da lisura do processo, mas o magistrado indeferiu o pedido. “Eles querem agilizar a votação enquanto fogem ao máximo da cassação de Eduardo Cunha porque têm medo de uma eventual delação dele. Todo mundo sabe que o Cunha está chantageando a nação inteira. Aprovar o impeachment é blindar Temer e o PMDB”, reiterou.
VIA BRASIL DE FATO
Matéria: Cristiane Sampaio
Edição: Vivian Fernandes