Por Gilberto Cervinski, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Pode parecer informação do Sensacionalista, mas não é: a Samarco, apesar de consumir o equivalente a 20% do que é consumido pela população de Minas Gerais, lucrou mais de R$ 400 milhões com energia elétrica no ano passado.
Dificilmente você viu alguma imagem na televisão, mas milhares de atingidas por barragens saíram às ruas dos cinco cantos do Brasil nesta terça-feira (8), Dia Internacional da Mulher, para denunciar a responsabilidade da Samarco, Vale e BHP Billiton pelo assassinato de 19 pessoas e pela destruição da bacia hidrográfica do rio Doce.
Além disso, as mulheres denunciaram as abusivas tarifas de energia elétrica. E essa não é uma luta apenas das atingidas, mas de 70 milhões de residências brasileiras, que pagam uma das contas de luz mais caras do mundo.
Todavia, os aumentos verificados nos últimos anos em todo o país afetam especialmente as mulheres, pois são elas que, na nossa sociedade patriarcal, arcam com o desligamento da máquina de lavar roupa ou de outros eletrodomésticos.
Mas nessa “crise”, sabemos que um lado perde e outro lado ganha: é a regra do jogo capitalista. A Samarco, por exemplo, recebe energia elétrica a um preço muito mais barato que o povo brasileiro. A mineradora é abastecida de eletricidade pela CEMIG por um valor oito vezes menor que a população mineira, devido a um contrato livre de oito anos (2014 à 2022) com a estatal.
O consumo anual de energia elétrica da Samarco equivale ao consumo anual de 1,22 milhão de residências. Ou seja, semelhante ao consumo de 20% das residências do estado de Minas Gerais ou de toda população residencial do Espírito Santo.
Recentemente, realizamos um levantamento das tarifas que a população de Minas Gerais paga mensalmente: é uma das maiores do Brasil. Contando todos os custos, uma residência chega a pagar R$ 990 por cada 1.000 kWh consumidos.
Agora vejamos o privilégio da Samarco. O gasto com energia em um ano foi de R$ 305 milhões, o equivalente a uma tarifa em torno de R$ 127 por 1.000 kWh. Ou seja, oito vezes menor que a cobrada da população “comum”.
Porém, a lama é mais suja do que se imagina. Parte da energia barata que a mineradora recebe da CEMIG foi revendida (em 2014), como excedente (uma energia que “sobrou”), aos chamados consumidores cativos (residências) a um preço médio de R$ 767,00 por 1.000 kWh, por meio do “Preço de Liquidação das Diferenças”. Posteriormente, este alto custo foi repassado ao povo em aumentos nas contas de luz.
A própria empresa admite que, com esta estratégia de revender parte da energia, faturou um total de R$ 405,2 milhões. Portanto, com essa energia revendida, provavelmente vinda da própria Cemig, ela conseguiu pagar todo o custo da energia e ainda gerou dividendo aos acionistas.
Desta forma, utilizando-se da energia elétrica da população de Minas Gerais, produziu os cerca de 25 milhões de toneladas de minério no ano passado, com custo de energia zerado, ou melhor, positivo.
Por um lado, qualquer família brasileira, além de ter que pagar uma das tarifas mais altas do mundo, se não conseguir pagar a conta de luz em um mês sua energia é cortada. Por outro lado, a Samarco, e todos os demais “consumidores livres”, pagam energia praticamente a preço de custo, seus contratos são sigilosos e a lama encobre toda a sujeira.
Este é o modelo energético privatizado, que privilegia os mais ricos e penaliza as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros. Por isso, a luta das mulheres contra os altos preços da energia é uma luta de todo povo brasileiro. Viva a luta de todas as mulheres trabalhadoras deste país.