Por Flavio Aguiar da Rede Brasil Atual
No colégio jesuíta em que estudei em Porto Alegre, na juventude, aprendi que a pior mentira é a meia-verdade. Baseada numa “verdade verdadeira”, ela oculta o resto, e distorce a apreensão do alvo, ou vítima dela.
Assim, grande parte da nossa velha mídia tratou o lucro da Petrobras no segundo trimestre deste ano. As manchetes alardearam que o lucro líquido da empresa, de R$ 531 milhões, caíra 89% em relação ao mesmo período de 2014. Com isso, empurrava-se a impressão de uma empresa quebrada, em vésperas de falência, como atestam muitos comentários de engabelados pelas manchetes, ou mesmo de má-fé, nos sites dessa mídia especializada em informação de baixa qualidade, senão em desinformação, e mestra em lidar com meias-verdades. A impressão veiculada era a de uma empresa ferida de morte diante da corrupção denunciada, desacreditada, abatida, incapaz de avançar o que quer que seja no Brasil e no mundo.
A situação, ao se consultar analistas mais sóbrios (publicados, por exemplo, pela Carta Capital, Carta Maior, o site da própria empresa, Petrobras Blog Fatos & Dados), é bem mais complexa e positiva do que estas manchetes superficiais querem fazer crer.
Em primeiro lugar, é preciso compreender o que é o lucro líquido, ou seja, o montante usado para cálculo da remuneração de cada ação dos acionistas. Em segundo lugar, é preciso situar este dado nos dados gerais sobre a empresa.
A produção de petróleo da Petrobras cresceu 9% no primeiro semestre deste ano em relação ao de 2014. O lucro operacional (lucro bruto – despesas operacionais + receitas operacionais) do conglomerado de que a Petrobras é o núcleo central, foi de R$ 22,8 bilhões no primeiro semestre, sendo R$ 9,5 bilhões no segundo trimestre. O acumulado deste ano até o momento do lucro líquido é de R$ 5,86 bilhões, uma queda sim, mas de 43% em relação ao mesmo período de 2014.
Alguns fatores internos, digamos, explicam a queda. O lucro líquido é o equivalente ao lucro bruto menos os encargos financeiros, os impostos (IR, IOF) e Participações (como a participação nos lucros dos funcionários). Apontam estes analistas mais sóbrios que o IOF, por alguma razão, do período em exame (segundo trimestre de 2015) foi consideravelmente maior do que em outros momentos.
Mas há fatores externos a levar em conta. O primeiro deles é a acentuada queda nos preços do petróleo no mercado internacional. Esta queda fez com que as principais companhias do setor, no mundo, tivessem quedas expressivas nos seus lucros igualmente, como a BP, a Chevron, a Exxon Mobil, exatamente aquelas que estão de olho no projeto de lei que tramita no Senado arrancando da Petrobras parcela ponderável do pré-sal. Todas elas tiveram quedas bem maiores do que a da Petrobras.
O segundo exige uma olhada mais ampla sobre o estado da arte no mundo inteiro. Parte de nossa velha mídia sempre tenta apresentar o Brasil, graças ao seu governo “interventor”, “corrupto”, “inepto”, etc etc etc, como o Joãozinho do passo errado no batalhão do passo certo. Nosso país, nesta ótica distorcida, é o patinho feio da pujante economia mundial, e o patinho mais feio ainda, por exemplo, entre os próprios Brics, pelos quais esta mídia não tem muito apreço.
Entretanto, nos últimos dias algumas informações abalaram os alicerces deste castelo de cartas.
A primeira foi a de que a economia russa encolhera 4,6% (o PIB, para ser mais exato) no segundo trimestre de 2015, em relação ao mesmo período de 2014, depois de também encolher 2,2% no primeiro trimestre. E, vejam só, analistas de órgãos nada petistas como o Financial Times, e outros, apontavam como as principais causas deste encolhimento… tchan-tchan-tchaaan… a queda nos preços do petróleo e derivados, produto vital para as exportações russas. Apontavam também como causas e consequências desta queda a desvalorização do rublo em relação ao dólar em 43% desde o ano passado, e uma inflação projetada, a partir do mês de julho, de 15,6% para o ano de 2015.
Mas as coisas não pararam aí. Faz dois dias que a China vem desvalorizando sua moeda (4% entre terça e ontem). Analistas insuspeitos de favorecerem o governo brasileiro apontam como a principal causa desta desvalorização, que vem sacudindo as bolsas asiáticas e mundiais tanto quanto os mais do que a sempiterna crise grega, o encolhimento bruto e repentino de 8,3% registrado nas exportações chinesas no mês de julho deste ano.
Quer dizer, nem tudo são pedras no caminho brasileiro, nem são flores nos caminhos alheios. Para não dizerem que não falei de pedras e flores, as taxas de desemprego continuam altíssimas nesta Europa emperrada, e por vezes só não são maiores devido à emigração em massa, sobretudo de jovens, de alguns países, como Irlanda e Espanha ou Portugal.
É claro que a manipulação de dados e manchetes, nesta altura, visa a colocar gasolina (o termo vem a calhar) nas manifestações contra o governo previstas para o dia 16 e engrossar o movimento pela sua queda imediata.
Mas como diziam os mesmos jesuítas do meu colégio, se é verdade que a mentira por vezes tem nariz comprido e pernas curtas, a meia-verdade não tem pernas, nem luz própria, porque ela depende da crendice do alvo, em aceitar a satisfação com a sua meia ou total ignorância. Ou como dizia grande ex-presidente, dá para enganar todos por algum tempo, alguns, o tempo todo, mas não todos por todo o tempo.