UNE
O 53º Congresso da UNE terminou hoje em Goiânia com a eleição da nova diretoria e presidência da entidade. A maior organização de juventude do país elegeu a pernambucana Vic Barros, 27 anos, aluna de Letras na Universidade de São Paulo (USP) sua nova presidenta. Em um processo eleitoral que teve participação recorde e delegados representando 98% das instituições de ensino superior no Brasil, Vic foi eleita pela chapa “Bloco da unidade para o Brasil avançar, com 2607 votos (69%), dentro de um total 3.764 delegados credenciados.
As outras chapas concorrentes foram “Oposição de Esquerda da UNE”, com 618 votos (16,4%) e “Campo popular que vai botar a UNE pra lutar”, com 539 votos (14,3%)
O Congresso da UNE também definiu, no sábado os rumos e posicionamentos da entidade para os próximos dois anos, no que diz respeito à conjuntura nacional, educação e organização do movimento estudantil. Foi convocada, na plenária final, uma Jornada de Lutas para os meses de junho, julho e agosto, com a pauta central da Educação brasileira.
PRINCIPAIS RESOLUÇÕES
1. 10% PIB para Educação Pública;
2. 100% dos Royalties e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para Educação Pública;
3. Democratização do acesso e permanência na universidade;
4. Cotas raciais e sociais nas universidades estaduais;
5. Regulação do ensino privado e proibição do capital estrangeiro;
6. Mais qualidade nas universidades brasileiras;
7. Curricularização da extensão universitária;
8. Uma política macroeconômica que esteja a serviço do desenvolvimento do país. Não ao contingenciamento e cortes de verbas para pagamento da dívida pública;
9. Contra os leilões do petróleo;
10. Investimento de 2,5bi em assistência estudantil;
11. Direito à Memória, Verdade e Justiça. Pela revisão da lei de anistia e punição dos criminosos da ditadura;
12. Democratização dos meios de comunicação.
1,53 metro e a estatura do Brasil
Em uma remota sala de aula de Garanhuns, no interior de Pernambuco, Tia Lélia escreve no quadro a palavra “reivindicar” e explica aos alunos da segunda série o seu significado. A pequena Virgínia, fascinada com a janela do mundo aberta pela carinhosa professora, leva o que aprendeu para uma redação, “Meu país Brasil”, que acabou entrando em um livro publicado com textos dos alunos.
Tia Lélia estaria garantidamente encontrando as lágrimas no domingo, dois de junho de 2013, se estivesse na Goiânia Arena, a 2.115 quilômetros de Garanahuns, vendo o que aconteceu à pupila. Virgínia cresceu, virou Vic, e alcançou estatura ainda muito maior do que seus 1,53 de altura. Presidenta da União Nacional dos Estudantes, não somente aprendeu o significado da palavra reivindicar como transformou-se nele.
A baixinha Vic Barros, hoje morando em São Paulo e aluna do curso de Letras da USP, chega ao posto de maior liderança do movimento estudantil brasileiro, presidindo a mitológica entidade que, há 75 anos, é o exemplo máximo no país para ilustrar aquela lição da segunda série. Ela representa agora sete milhões de estudantes universitários do Brasil, sendo a quinta mulher a ocupar o cargo e figurando ao lado de personagens como o ministro Aldo Rebelo, o ex-governador de São Paulo José Serra, o senador Lindbergh Farias e o ex-ministro Orlando Silva.
De personalidade afável, porém forte, óculos e sotaque marcantes, fã de rock and roll e torcedora do Sport Club do Recife, Vic deixou Garanhuns para conhecer a cidade grande aos 13 anos, passando a adolescência na capital pernambucana. Não participou do grêmio do colégio nem do movimento secundarista, mas já aproximava-se sentimentalmente da política com a admiração a dois líderes de seu solo: Miguel Arraes e Luís Inácio Lula da Silva.
Seu primeiro curso superior foi Direito, no qual formou-se pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na fila da matrícula, recebeu um panfleto de uma reunião do movimento estudantil e, ainda caloura, já estaria disputando a eleição para o DA do seu curso. Perdeu a primeira mas, em veloz ascensão, acabou chegando alguns anos depois ao DCE da federal e posteriormente à presidência da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), em uma identificação completa com a militância e às causas da juventude. Sob sua gestão na UEP, os estudantes conquistaram a gratuidade na Universidade Estadual de seu estado, em 2009.
Insatisfeita com a ideia de encerrar sua vida acadêmica e admtindo ter procurado o curso de Direito muito em função das expectativas dos pais, mudou-se para São Paulo e permitiu-se outro sonho, explorar a paixão pela literatura, pelos versos, narrativas e possibilidades da palavra em um dos mais respeitados cursos de Letras do Brasil. Blogueira, sempre atenta à internet e às redes sociais, virou diretora de Comunicação da UNE e, no ano de 2012, garimpou o suado e merecido reconhecimento nacional dentro do movimento estudantil coordenando a Caravana UNE+10, iniciativa que percorreu universidades de todo o país para colher anseios e propostas da juventude em relação ao futuro do Brasil.
A UNE que Vic assume lhe permite, por gracejos do destino, representar exatamente aquela geração do movimento estudantil que mudará, para sempre, o futuro das milhões de outras tias Lélias e Virgínias que virão. Os 10% do PIB para a Educação, principal luta da entidade, poderão ser conquistados em sua gestão dependendo da mobilização e cobrança dos estudantes no processo do tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE) no Congresso Nacional. Estão diretamente vinculadas, também, as lutas por 100% dos royalties do Petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação.
Feminista e contrária ao conservadorismo na sociedade e na universidade, espera ampliar na UNE os encontros de estudantes negros, de mulheres e da diversidade sexual. Filiada ao Partido Comunista do Brasil (PcdoB) e militante da União da Juventude Socialista (UJS), acredita que o Brasil pode avançar no debate sobre as drogas, espera denunciar o extermínio dos jovens negros e pobres, assim como lutar pela democratização dos meios de comunicação do país.
No que diz respeito à relação com o governo federal, promete mais radicalização e pressão, destacando a reivindicação imediata de 2,5 bilhões de reais no Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e cobrando do ministro da Educação Aloizio Mercadante medidas para solucionar os problemas da expansão das federais já apontadas pela UNE. Outra prioridade que aponta, nos próximos dois anos, é atacar a desnacionalização do ensino privado no país, cada vez mais entregue aos grupos financeiros internacionais.
Com um horizonte complexo e desafiador à frente, Vic parece não se intimidar. A pequena de Garanhuns lembra constantemente do irmão Vinícius, que faleceu jovem, ainda aos 27 anos, para inspirar a sua própria ascensão. Maior ídolo da presidenta da UNE, ele deixou, segundo ela, o exemplo do envolvimento constante em causas coletivas, sociais, humanitárias, em tudo aquilo que pode, de certa forma, mudar o mundo.
Hoje ela cresce, dentro da UNE, sabendo que não está sozinha. Sua citação favorita, publicada no seu perfil do Facebook e extraída do romance único de Raduan Nassar, “Lavoura Arcaica”, atesta como 1,53 pode ser, definitivamente, a altura de uma pessoa enorme:
“A sabedoria está exatamente em não se fechar nesse mundo menor. Humilde, o homem abandona a sua individualidade para fazer parte de uma unidade maior, que é de onde retira sua grandeza”.