Cinco dos 42 metroviários demitidos em virtude da greve realizada entre os dias 5 e 9 de junho foram ouvidos hoje (4) pela Polícia Civil paulista em um dos oito inquéritos abertos para apurar os supostos crimes cometidos na paralisação. Segundo os trabalhadores, os questionamentos foram objetivos – se estavam na estação naquele dia e horário, o que faziam, se obstruíram portas dos trens –, buscando confirmar as informações dos boletins de ocorrência lavrados sob declarações de superiores hierárquicos. Não houve questionamentos de cunho político, como filiação partidária ou ideais.
Os trabalhadores foram inquiridos na 6ª Delegacia de Polícia do Metropolitano, na estação Barra Funda da Linha 3-Vermelha do Metrô, onde no dia 14 serão ouvidos mais cinco trabalhadores. Foram entrevistados hoje o presidente da Federação Nacional dos Metroviários, Paulo Pasin, e o diretor da entidade Celso Trapaga Borba, o secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Alex Fernandes Alcazar, e os diretores Dagnaldo Gonçalves e Solange Oliveira Chaves.
Destes metroviários, nove tiveram a demissão por justa causa sustentada pela acusação de impedir o fechamento das portas de um trem não identificado, na estação Brás, da Linha 3-Vermelha do Metrô, no dia 6 de junho, às 6h. As informações constam das cartas de demissões enviadas aos trabalhadores pelo Metrô. Um dos relacionados no boletim de ocorrência não foi demitido. Segundo o advogado criminalista que acompanha os metroviários, Denis Lantyer, há outros casos como este.
O mais emblemático é o dos 13 trabalhadores detidos durante o ato na estação Ana Rosa, da linha 2-Verde, quando a Tropa de Choque da PM confrontou os manifestantes e utilizou bombas de gás lacrimogêneo no interior da estação. Eles são citados em outros inquéritos, mas não foram demitidos.
Os metroviários ouvidos hoje respondem ao Inquérito 281, de 2014, formado pelos boletins de ocorrência 1.338 e 1.350, de 2014, da Polícia Civil, e 753 e 761, de 2014, lavrados pela segurança do Metrô. O primeiro boletim foi elaborado quase às 11h da manhã do dia 6 de junho, cinco horas após o ocorrido, e só trazia os nomes de Alex Fernandes e Paulo Pasin. Os outros foram elaborados após as 13h, do mesmo dia, para incluir os nomes dos outros oito trabalhadores. A acusação, segundo os B.Os, é de atentado contra meio de transporte – artigo 262 do Código Penal, que prevê pena de detenção de um a dois anos.
“É um processo político. O inquérito tem o objetivo de criar um ambiente que sustente as demissões, que dê um caráter de ilegalidade para as ações de greve. Mas não há nenhuma prova nos autos. O que os trabalhadores fizeram foi apenas isso: greve”, destacou Lantyer.
Solange e Alex Fernandes, ouvidos hoje, estavam presentes na estação Brás, mas negam que tenham feito qualquer ação ilegal. “Nós fomos, como nos demais dias, dialogar com os trabalhadores que ainda não tinham aderido à greve. Eu não segurei porta de nenhum trem”, disse Solange. Para ela, diretora liberada desde fevereiro para atuar pelo sindicato, a situação é absurda. “Não querem que lutemos por melhorias.”
Celso Borba, Dagnaldo e Paulo Pasin sustentam que chegaram ao local depois do ocorrido, quando o sistema já estava paralisado. “Nós fomos ao local auxiliar os companheiros que lá estavam. Tinham nos avisado que a Polícia Militar se dirigia pra lá, então fomos acompanhar o processo”, afirmou Pasin.
Nenhuma gravação ou imagem foi apresentada para contrapor as afirmações deles durante os depoimentos. Segundo o advogado, não há nos autos nenhum vídeo ou imagem anexados como prova, somente solicitações por parte da polícia de arquivos de imagens e referências à degravação dos mesmos.
A RBA solicitou ao Metrô imagens ou vídeos que comprovem a atuação doos trabalhadores em atos de violência ou depredação, mas não foi respondida. A reportagem teve acesso aos autos da ação civil pública movida pelo Ministério Público Estadual contra o sindicato, por dano moral coletivo à cidade de São Paulo, mas lá também não há vídeos ou imagens. Há apenas relatórios do Metrô, que não batem com as acusações que justificaram as demissões.
A vida segue
Além de responder aos inquéritos, os trabalhadores convivem com a nova rotina de desemprego. O diretor da Fenametro, Celso Trapaga Borba, passa boa parte dos dias no sindicato, desde que foi demitido. Seu histórico na categoria é longo, de vinte anos: militante desde sua entrada para o Metrô, já compôs duas diretorias e hoje está na direção da federação. Mesmo assim, o baque foi pesado. “No primeiro dia eu não saí da cama. Tenho 48 anos. Não sou mais um garoto. Ficava pensando ‘e agora, que vou fazer da vida?’”, contou.
Nos dias seguintes ficava na lida das oito da manhã à meia-noite. O sindicalista fala praticamente sem pausas, denotando certo nervosismo, apesar da experiência na categoria. “Participar dos debates sobre greve, com estudantes e outras categorias, levar material de campanha nas estações… Tudo isso ajudou a segurar a onda”, afirmou Borba.
Outro aspecto que o ajuda a “segurar a onda” é a certeza de que a acusação é injusta. O metroviário garante que não estava na estação Brás no horário citado na carta de demissão. Menos ainda segurando a porta do trem.
Para ele, no entanto, o caminho para readmissão deve ser longo. “O governo estadual não vai aceitar um acordo político. E na Justiça do Trabalho a ação deve levar um certo tempo, por mais que nós não estejamos errados e não tenhamos cometido nenhuma ilegalidade”, avaliou.
Esse tempo preocupa Solange. Ela vem sofrendo de insônia e, logo após o ocorrido, foi passar uns dias com uma das filhas, no interior de São Paulo. “Fiquei travada. Não conseguia dormir, fazer as coisas de casa. É muito constrangedor para mim. Sou uma senhora, mãe de família”, comentou.
Ultimamente, Solange vem se ocupando com atividades do sindicato e a campanha pela readmissão. “Faltava um ano e meio para me aposentar. São 17 anos de serviços no Metrô. Eu não ia fazer algo que pudesse prejudicar a mim mesma”, afirmou. Ela sempre foi filiada, mas somente em fevereiro deste ano passou a ser liberada para atuar como quadro do sindicato.
Solange é casada há 32 anos – tem 49 – e diz que, depois do baque inicial, a relação com o marido e as filhas está tranquila. Difícil para ela é aguentar as dores da Lesão por Esforço Repetitivo (LER) nos ombros, adquirida nos anos de trabalho no Metrô paulista. O tratamento foi interrompido, já que a demissão levou ao corte do convênio médico. “Às vezes eu não consigo pentear o cabelo”, explicou.
Com a renda da casa reduzida, não é possível bancar por conta a fisioterapia e a acupuntura. E ela vai levando os dias à base de analgésicos. “O sindicato tem nos ajudado. Mas não tem como manter as mesmas condições, os benefícios. E eles estão fazendo falta agora.” A situação não é o suficiente para tirar dela a fé na solução do caso. “Estávamos lutando pelos nossos direitos. E agora vamos continuar lutando pelos nossos direitos”, concluiu.
Fonte: Rede Brasil Atual