A CUT capitaneará a construção de uma plataforma de desenvolvimento econômico a ser construída em parceria com os movimentos sociais e economistas e apresentada à sociedade e à presidenta Dilma Rousseff nos próximos dias.
Conforme destacou o presidente nacional da Central, Vagner Freitas, em seminário sobre política econômica e reforma política que a entidade promoveu nesta quarta-feira (4), no Senado, o documento defenderá a continuidade do modelo de desenvolvimento com inclusão social implementado há 12 anos, em contraposição aos cortes e ajustes adotados pela presidenta no início de seu mandato.
“A CUT irá conversar com economistas brasileiros que não tem concordância com aspectos da política econômica em curso a partir do Ministério da Fazenda e com a qual a Central também não concorda. Vamos construir e apresentar soluções a partir da experiência da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, junto com o conteúdo da Academia, se contrapondo a essa ordem econômica mundial, de Davos, do Banco Mundial, do FMI que têm receituário igual em todos os lugares, de corte de custos, de não investimento e que gera desemprego, retrocesso na economia e afeta o bem-estar dos trabalhadores”, explicou.
A afirmação do presidente da CUT vai ao encontro do que defendeu o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Clemente Ganz Lúcio, os movimentos sociais deixarem uma agenda de pautas para investirem numa de projetos.
Pauta por projeto
“Primeiro precisamos dizer por que 12 anos depois não ganhamos projeto e, depois, como faremos para ganhar. Temos proposta? Temos projeto? Não basta apresentar pauta, tem de ter estratégia para fazer andar. Vamos ver agora o que é o movimento sindical mobilizar com arrocho, desemprego, com desindustrialização”, ponderou.
Para Clemente, os setores conservadores trabalham com a ideia de que a retomada do Estado será mais fácil de ser feito quanto pior estiver a economia. “Não há governo que resista a longos períodos de desemprego, arrocho e recessão, combinados com a crise política. E a Operação Lava Jato revela a forma como o Capital se apropria do Estado”.
Da mesma maneira que a CUT, o professor da PUC-SP Antônio Correa de Lacerda também identificar nas medidas de Dilma um modelo de ajustes exclusivamente sobre o setor produtivo, enquanto o capital financeiro permanece intocável. Até mesmo como controle da inflação ele identifica um equívoco em ações como as medidas provisórias 664 e 665 contra os direitos trabalhistas.
Juros inimigos
“O governo fala no corte de benefícios sociais que resultariam em R$ 18 bilhões de economia, mas são só R$ 15 milhões saindo pelo ralo com a elevação da taxa de juros, que consumiu 6,1% do PIB no ano passado. Todo esforço de geração de superávit primário é consumido com remuneração dos credores da dívida”, criticou.
Juros que foram bastante destacados nas análises de Lacerda. Conforme observou, o discurso da atual equipe econômica é de resgate do tripé macroeconômico estabelecido no início dos anos 2000 e que combina meta de inflação, geração de superávit primário e equilíbrio no balanço de pagamentos. Mas no momento em que governo corta investimentos, gastos e eleva tributação e juros, também aumenta o custo do financiamento. Com isso, desestimula a atividade produtiva e prejudica a geração de receitas para o país.
“O BC (Banco Central) deveria ser muito cauteloso em aumentar juros porque, primeiro, grande parte da inflação é por preços administrados, em energia, combustíveis por conta do atraso no ajuste de preços nos últimos anos, Mas isso só acontecerá uma vez e não será o aumento de juros que resolverá. Ao contrário, provocará retração no investimento e na demanda, muitos trabalhadores perderão o emprego, encarecerá o crédito e comprometerá o ajuste requerido porque o governo perderá arrecadação. A conclusão é que jogará país em recessão, terá custo elevado social muito caro sem resultado se espera”, acrescentou.
O professor apontou ainda que dos 24 maiores países do mundo, apenas o Brasil está elevando os juros, ainda que países em desenvolvimento, como a Rússia, convivam com inflação de 11% ao ano.
Indústria em declínio
Enquanto na crise econômica mundial de 2008, bancos públicos como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) garantiram oferta de crédito no momento de retração, neste momento de ajustes a orientação é outra.
Para Lacerda, o incentivo do crédito por meio do mercado privado deve entrar na agenda do governo. E uma das razões para o barateamento, defende, pode ser o índice de inadimplência dos brasileiros relativamente baixo e estável há muitos anos.
No caso da indústria, os problemas são outros. A demanda por consumo aumentou, mas a produção não acompanhou e está no mesmo nível de 2007, antes da crise. Segundo o professor, os fatores são os juros altos, o câmbio desfavorável e a tributação excessiva sobre investimento eu geraram incapacidade de competir com produto importado.
Com isso, a demanda foi coberta pelos importados. “Todos os países que se tornaram mais ricos, passaram por processo de fortalecimento da indústria. A queda é comum na Alemanha, EUA, que estão em outro estágio de desenvolvimento, mas na Coréia do Sul e China, também em desenvolvimento, a aposta é na indústria. E aqui a exportação de produtos industrializados caiu pela metade desde 2005. Com isso, o setor onde se encontram os melhores salários está demitindo e isso impacta a economia”, disse.
Novamente os ajustes – Apesar das incertezas, o professor lembra que o fluxo de investimento direto estrangeiro (IDE) continua forte, na avalição de Lacerda, por conta de um pensamento em longo prazo para o país que é a 7ª economia do mundo, o 4º mercado automobilístico e o 4º de cosméticos, entre outros fatores.
A situação, porém, está longe de ser tranquila. “A maioria dos investidores planejam investimentos, mas em momentos de ajustes, como vivemos, as empresas adiam e isso gera o crescimento das demissões.”
Dificuldade gera oportunidade
Para o economista Márcio Pochmann, o cenário de retração econômica mundial que apresentou a conta também sobre a mesa brasileira é o reflexo de um mundo conectado para o bem e para o mal. Contudo, o Brasil já demonstrou a capacidade de dar saltos em situações como essa, alertou, citando as reformas nacionais no final do século 19 e da década de 1930.
Mas o novo modelo de industrialização impõe um desafio maior. Pochmann disse que, quando Dilma fez movimento para fazer pacto produtivo, como a desvalorização da moeda e redução de juros, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) reclamou. Primeiro, porque grande parte da matéria que utiliza é importada para baratear o custo e a desvalorização aumentou o dólar. Segundo, porque 50% do faturamento da indústria vem do capital financeiro e a redução de juros diminuiu o ganho do empresário.
Diante disso, ele avalia que a ampliação das relações políticas a partir do governo Lula, com a aproximação da China e, recentemente, a criação do Banco de Desenvolvimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, Coréia e África do Sul) impõe um novo desafio: o que deseja o Brasil?
“Vamos exportar bens primários para os chineses? Acredito que é possível um novo acordo com eles, mas é preciso abrir espaço para a nossa indústria. E atacar uma série de gargalos. O sistema político brasileiro está comprometido, hoje não é possível candidaturas populares terem algum êxito. O modelo de capitalismo contemporâneo é inadequado para o que queremos, a sociedade não cabe nele. Temos grandes empresas com forte relação com o orçamento público, todo processo licitatório tem presença de máfias, que é resultado das grandes corporações e precisa mudar a relação do Estado com economia. Um Estado que não atende as demandas da sociedade, que é patrimonialista, no qual a concepção funcionalismo não funciona. Agora, não adianta dizer que está errado se não tivermos proposta alternativa”, pontuou.
Tentáculos na agricultura
Da mesma forma que na indústria, também na agricultura brasileira a crise internacional trouxe grandes empresários em busca de investimento e fez também o campo, um setor de exportação de matéria-prima, conforme explica o integrante da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Alexandre Conceição.
“Com a crise, investiram no agrário para ter domínio minério e da terra. Forte investimento conglomerados internacionais na agricultura brasileira. Controle do capital na agricultura brasileira se expandiu para as, sementes, produtos químicos, produção e comercialização.
Grande parte das exportações hoje é feita pelas transnacionais e a agricultura é comandada pelo capital financeiro e internacional”, explicou.
Com isso, 10% dos estabelecimentos agrícolas no país controlam 80% da produção. Os donos do agronegócio ainda utilizam grandes extensões de terra para cultivar um número reduzido de produtos e expulsou os agricultores familiares. O resultado é uma produção que se vale de muito agrotóxico para ter resultados rápidos.
“Cada brasileiro consome, em média, 5,2 litros de veneno no alimento por conta agricultura perversa. Essa agricultura dependente, inclusive dos químicos, começa a trazer caos para o país. Câncer virou epidemia por conta de alimentos infectados. E a forma como usam a terra traz problemas climáticos, grandes geadas, secas. Por sua vez, as mudanças climáticas resultam em problemas devastadores na agricultura devastadores, inclusive, o aumento de preço dos produtos”, elencou.
Conceição avalia que o modelo do agronegócio no governo é contraditório à plataforma que elegeu a presidenta Dilma. Ele definiu os ministros Joaquim Levy (Fazenda), Kátia Abreu (Agricultura), Aldo Rebelo (Ciência, Tecnologia e Inovação) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente) como inimigos da reforma agrária e citou que apenas o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias traz para a pauta temas importantes como a função social da terra. “O problema é que ele terá pelos menos quatro grandes pela frente”, ironizou.
Para o representante do MST, além desses desafios macro, ainda há questões específicas a se enfrentar neste governo, como a obrigação do camponês empregado em realizar a contribuição sindical para a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
“Queremos ter o direito de escolher para quem contribuir, a CNA não nos representa. Classe média rural uma ova, somos classe trabalhadora e não vamos deixar a CNA nos ensinar como faz cooperativa. Essa política está equivocada e vamos disputar. Assim como queremos organizar e disputar ideologicamente os trabalhadores da indústria do alimento, que estão abandonados. Nosso desafio é fazer o movimento ir para ruas e ganhar corações e mentes”, definiu.
Fonte: CUT