Rede Brasil Atual
Em 2007, primeiro ano do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, um trio passou a ser chamado, no Palácio do Planalto, como “os três mosqueteiros do Lula”. Eram eles os governadores de Sergipe, Marcelo Déda; da Bahia, Jacques Wagner; e do Piauí, Wellington Dias (hoje senador). Eles costumavam atuar como bombeiros em meio a crises políticas com os demais governadores e, principalmente, parlamentares. Hoje (23), o trio foi desfeito com a morte de Marcelo Déda, tido como um dos políticos mais habilidosos em negociações e dissolução de crises, durante sua passagem pela Câmara dos Deputados e ao longo dos seus mandatos como governante – primeiro, prefeito de Aracaju; depois, governador de Sergipe.
Déda, que também foi deputado federal por dois mandatos e sempre ajudou a aparar arestas na votação de matérias emblemáticas para o país, teve um papel fundamental, quando esteve em jogo a ânsia dos colegas governadores para renegociar dívidas dos estados com a União. O ano já prenunciava uma crise na economia mundial que explodiu logo em seguida, em 2008, com o subprime no mercado de hipotecas dos Estados Unidos e afetou vários países.
O Brasil conseguiu, com políticas de ajuste aqui e ali, manter o equilíbrio de suas contas. Mas, para chegar a isso, foi preciso muita negociação junto aos governantes que subiram nos palanques apoiando a reeleição de Lula. Boa parte deles queria alongar as dívidas, que, na época, comprometiam até 13% da receita líquida de tais administrações.
Mesmo reconhecendo que seu próprio estado poderia vir a ser beneficiado com esses refinanciamentos, Déda saiu em verdadeira cruzada nas capitais para conversar com os governadores, negociar acordos, programar almoços deles com o presidente e ministros e tratar de projetos que levassem ao desenvolvimento dos estados por outros caminhos. Na ocasião, esse trabalho, realizado por ele, ao lado de Wagner e Dias, chamou a atenção de toda a Esplanada dos Ministérios, repercutiu na imprensa e permitiu uma discussão ponderada sobre o tema.
“O assunto não pode ser resolvido sob pressão. Não há como colocar em pauta temas como esse, num momento em que é mais fácil alguém entrar na igreja e não rezar do que um governador entrar no Palácio do Planalto e não falar de dívida com o presidente. Estamos trabalhando pelo diálogo, não pelo emparedamento. Não haverá faca no pescoço do presidente Lula”, afirmou Déda, durante entrevista, em declaração reveladora do perfil do governador sergipano, que com sua performance ganhou, também, a admiração da então ministra e hoje presidenta Dilma Rousseff.
Déda costumava repelir qualquer menção ao seu nome ou dos colegas como de líder do movimento. “Queremos a expressão política de cada estado para discutir uma relação de qualidade, sem vaidades”, costumava enfatizar. Foi esse o tom que o marcou em todas as negociações de que participou no Congresso Nacional e no período em que foi governador, até ser pego de surpresa pelo câncer, em 2009.
Forças e luta
Depois de ter feito duas cirurgias e ter se restabelecido, Déda chegou a afirmar, numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que imaginava, ao enfrentar uma situação como a que estava passando, vir a entrar num período de forte depressão, mas conseguiu tirar forças quando viu os projetos que estava desenvolvendo e também a família, os filhos, amigos e eleitores torcendo por ele.
"Imaginava que seria como um edifício de 20 andares prestes a ruir, mas consegui reunir forças e percebi que iria conseguir lutar para continuar aqui”, colocou. Mesmo 14 quilos mais magro, o governador voltou às suas atividades e, um ano depois, foi reeleito. Comentava sobre a doença como algo que fizesse parte do seu passado, até ter nova recaída, em 2012.
Em junho, já licenciado, gravou um áudio no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, falando de suas condições clínicas e pedindo orações à população de Sergipe. Cerca de 30 dias antes, quando oficializou uma licença-médica, conseguiu a aprovação de programas tidos como importantes para o estado, como o Proinveste, que destinou R$ 720 milhões em recursos para obras diversas em Sergipe – onde, mais uma vez, entrou em cena o político habilidoso capaz de reunir forças do governo e da oposição em prol do estado. No lançamento, disse também que estava se licenciando, mas não iria renunciar ao mandato porque, enquanto estava no hospital, continuava atuando como governador. “Só paro de despachar quando estou na quimioterapia”, frisou.
No último final de semana, com o agravamento do seu estado de saúde, amigos e correligionários já davam como certa a chance de falecimento de Déda. “Ontem foi um dia difícil para nós, que acompanhamos seus últimos momentos. Conversando com sua esposa, Eliane, ela me disse que na verdade Déda descansou. Não aguentava mais tanto sofrimento e tanta luta. Deus faz aquilo que acha correto para todos os seus filhos, nossa vida quem traça é Deus”, afirmou o governador sergipano em exercício, Jackson Barreto (PMDB).
Do Senado, um dos “mosqueteiros”, Wellington Dias (PI), hoje líder do PT na Casa, destacou que “a perda é muito grande para o país”. “O Marcelo era companheiro de partido desde o início e um amigo. Era um dos mais importantes oradores do país e testemunhei, várias vezes, o carinho e respeito que o povo tinha por ele”, acentuou.
“Eu sinto muito como amigo, como parceiro de caminhada, como governador, por termos trabalhado juntos, lado a lado. E agora só temos que cuidar que sua família tenha o maior conforto possível e do reconhecimento do povo de Sergipe por tudo que ele fez pela sua terra natal, pela qual ele era tão apaixonado. Fica aqui o meu abraço e as lembranças muito positivas da figura de Marcelo Deda como amigo, como homem público e como grande governador e político que foi”, comentou, em nota, o outro “mosqueteiro” do trio, o governador da Bahia Jacques Wagner.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que está no Uruguai, destacou por meio de sua assessoria que Déda sempre “deu uma contribuição extremamente positiva, com muito bom senso e caracterizado também por uma percepção do que era o melhor caminho para a realização da justiça”. “Certamente, perdemos um dos nossos principais valores, mas cujo exemplo de determinação e vontade inabalável de construir um Brasil justo vai ficar sempre muito presente entre nós”, completou.
Sem crachá diferente
"O Déda costumava dizer que, em 30 anos de militância, nós nunca levantamos o crachá de forma diferente nos encontros do PT. Quando divergíamos, sentávamos para conversar, quebrávamos o pau, mas sempre chegávamos a um posição comum. E foi assim mesmo. A única divergência insuperável e definitiva era no futebol”, enfatizou o ex-senador e ex-presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra.
Na Câmara e no Senado Federal, aguarda-se pronunciamento dos presidentes, respectivamente, o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que seguirão dos seus estados – onde se encontram – direto para o enterro do governador em Aracaju.
“Déda era um ser humano ímpar, alegre, bem humorado, amante da boa música e com uma capacidade enorme para a atividade política e a defesa do interesse público. Homem público exemplar, o PT perde um militante ativo e sempre presente nas atividades partidárias. Seu legado será sempre lembrado e servirá de referência para a esquerda nacional e as novas gerações de brasileiros”, ressaltou em nota, o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE).
A presidenta Dilma Rousseff divulgou nota destacando que o Brasil perdeu “um político com P maiúsculo”. “Eu perdi hoje um grande amigo, daqueles das horas boas e más. Déda era capaz de recitar poesia, inclusive as próprias, com a força de um grande artista e a naturalidade de um repentista. Ao mesmo tempo, era capaz de aprimorar uma discussão com uma lógica irretocável”, acentuou a presidenta.
Marcelo Déda tinha 54 anos, formação acadêmica em Direito, era pai de cinco filhos e estava no segundo casamento. Seu corpo será velado no Palácio-Museu Olímpio Campos, em Aracaju a partir das 13h. A expectativa no Congresso é de que algumas das programações e votações agendadas para amanhã (3) sejam canceladas em virtude da ida dos parlamentares ao sepultamento do governador, bastante querido no Legislativo, mas ainda não há definição a respeito.