A Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA) tem colocado a autorreforma sindical como uma das suas prioridades para aprimorar a relação com a base, a fim de ampliar a participação, essencial para fortalecer a pressão sobre empresas e governos e garantir melhores negociações coletivas. Nesta entrevista ao Portal dos Trabalhadores, o secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), professor João Antonio Felício, faz uma avaliação do significado da medida para fazer avançar a pauta trabalhista “a partir do fortalecimento dos mecanismos democráticos e de participação, que envolvem a mobilização desde o local de trabalho com um compromisso de classe, de melhorias concretas na distribuição da renda e na valorização do trabalho”. Recentemente João Felício teve o seu nome referendado pelo Conselho Executivo da Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA) para presidir a Confederação Sindical Internacional (CSI).
Na sua avaliação, qual o objetivo da autorreforma sindical?
O objetivo central da autorreforma sindical é fortalecer o sindicalismo e lhe dar uma maior expressão nos processos de negociação com governos e empresários. Temos a compreensão de que este é um elemento prioritário para a agenda sindical, pois dialoga com direitos fundamentais do trabalhador, com direitos humanos. Agora, se é verdade que as legislações existentes não ajudam no fortalecimento das organizações sindicais – e cito o exemplo dos Estados Unidos, onde para estruturar uma entidade é necessária a adesão de 50% mais um dos trabalhadores – infelizmente há também problemas por parte de muitas organizações de trabalhadores. E não são poucos. Há países que usam e abusam do autoritarismo para impedir ou obstaculizar a negociação coletiva, existem os que estimulam uma fragmentação exagerada dos sindicatos para tirar proveito da fragilidade e há também dirigentes que se utilizam da fragmentação para construírem seu reino à parte, ainda que seja tão somente figurativo, sem poder real nenhum. No Brasil, temos aproximadamente 16 mil sindicatos, parcela expressiva sem representação, completamente inoperante, e que, portanto, presta um desserviço à luta. Pelas debilidades não conseguem colocar na agenda a pauta da própria categoria a que deveria representar, imaginem do ponto de vista classista. Devem haver instâncias, que precisam ser respeitadas. Considero uma lástima que muitas entidades continuem sem ouvir a base na tomada de decisões.
Falta disposição ou compromisso a esta parcela do sindicalismo mais aferrada à estrutura?
A minha compreensão é de que falta disposição, boa vontade e compromisso por parte de algumas lideranças que acabam tendo mais apego ao cargo, ao aparelho, do que ao trabalhador. As entidades precisam estar mais vinculadas ao dia a dia, à luta concreta por maiores salários, menores jornadas, relações de trabalho mais justas, educação, qualificação, saúde e segurança. Sindicatos grandes, por Ramo de atividade, tem mais e melhores condições de responderem a estas demandas. Nosso objetivo deve ser a construção de sindicatos enraizados no local de trabalho, democráticos, abertos à fiscalização da categoria, que se utilizem da transparência, que tenham seus recursos canalizados para a luta, para a mudança da realidade. Uma organização sindical de trabalhadores deve ser, antes de tudo, uma organização classista.
Muitos governos e empresas tentam jogar o peso da crise internacional sob os ombros dos trabalhadores. Como fica a capacidade de resistência do sindicalismo frente à crescente agressividade destes ataques?
A melhor resposta é sempre coletiva, pois reúne acúmulos, vivências, experiências. Daí a importância do Sindicato de massa, que é mais expressivo tanto na sua relação com a base como com a sociedade, o que faz toda a diferença na hora de enfrentar empresas e governos. Quanto maior for a entidade, mais força política ela tem para se contrapor ao receituário de desmonte do Estado, de retirada de direitos e arrocho salarial. Da mesma forma, em países que buscam construir uma alternativa, as entidades terão mais condições de serem ouvidas, de fazerem suas propostas ganhar terreno. Um Sindicato grande, de abrangência nacional, é profundamente expressivo, diferente dos pequenos, com poucos sócios, que terão muito reduzida capacidade de resistência e, evidentemente, quase nenhum protagonismo e menor ainda possibilidade de conquista. Por isso lutamos para realizar uma mudança efetiva na legislação a fim de garantir o direito à liberdade e à autonomia sindical, consagrados nas Convenções 87 e 98 da Organização Internacional do Trabalho. Acima de tudo este deve ser um compromisso ideológico
O que fazer para levar adiante este embate político-ideológico?
A comunicação com a base é essencial, para evitar decisões unilaterais de diretoria sem qualquer respaldo, como ocorrem constantemente em entidades que desrespeitam suas instâncias de decisão. É necessário formar politicamente os quadros para que possam responder à altura dos desafios colocados. Vivemos um momento de agudização da luta de classes, gostemos ou não, em que empresários e banqueiros buscam aumentar seus lucros, ampliando sua exploração, avançando sobre os direitos dos trabalhadores. A crise que se arrasta desde 2008 é um exemplo disso, onde os ricos se aproveitaram da crise para ficarem mais ricos, deixando os pobres mais pobres. Agora, depois de terem socorrido o capital, os governos estão aprofundando ainda mais a desigualdade, colocando parcelas expressivas dos recursos públicos à disposição do sistema financeiro. Fazem reformas trabalhistas, previdenciárias e de todo tipo para atender as exigências do mercado. As imposições do Banco Mundial e do FMI para países como Grécia, Espanha e Portugal comprovam esta afirmação. Do ponto de vista das nações este receituário perversa se mantém, com os países ricos sugando centenas de bilhões de dólares anualmente dos países pobres, mantendo uma lógica injusta e perversa que representa a negação da soberania, pois atenta contra o desenvolvimento político, econômico e social dos nossos países e povos. Os dirigentes sindicais precisam ter clareza disso.Minha avaliação é de que as secretarias de Formação e Comunicação das entidades devem funcionar articuladas para cumprir com este novo papel. Se os meios de comunicação e os governos disputam cotidianamente corações e mentes, as entidades sindicais precisam disputar também. Fazer mais e melhor e isso significa investimento, persistência, não pode ser de vez em quando, pois precisamos de um polo afirmativo no enfrentamento a uma sociedade extremamente desigual. Ou não persistem diferenças absurdas entre homens e mulheres? Ou a juventude deixou de ser penalizada e as políticas públicas de emprego correspondem às suas necessidades? Ou a discriminação de negros e da população LGBT é uma invenção? Acreditamos que o momento é de reforçar os Sindicatos com ações que saibam aliar a pauta iminentemente trabalhista com o compromisso histórico de fazer os grandes embates políticos para aprofundar as mudanças no mundo do trabalho e na sociedade. E para isso é preciso mudar a cabeça do Sindicato para que defenda um projeto ativo, propositivo, sem ser partido político. Obviamente que não somos neutros, fazemos a opção pela pauta do desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho. Temos lado.