A secretária de comunicação da CUT Nacional ressalta a importância da luta pela democratização da comunicação


A Central Única dos Trabalhadores realiza do 15 a 17 de julho (quarta a sexta-feiras) o seu V Encontro Nacional de Comunicação (Enacom), potencializado este ano pela 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada pelo presidente Lula para o começo de dezembro. Nesta entrevista, a secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, destaca o significado destes eventos para afirmar o protagonismo da classe trabalhadora na luta pela democratização das comunicações e da própria sociedade brasileira, defendendo o controle social das concessões públicas como elemento central. A dirigente cutista também denunciua a postura arbitrária e reacionária do Supremo Tribunal Federal – que se posicionou pelo fim da Lei de Imprensa e do diploma para jornalistas – e condena a proposta do PL-29 de abertura indiscriminada ao oligopólio estrangeiro das telecomunicações.

Qual a sua expectativa em relação ao V Enacom?

As melhores possíveis. Vejo a realização do Encontro Nacional de Comunicação da CUT como a continuidade de um intenso processo de amadurecimento político e ideológico, da compreensão do nosso papel enquanto agentes de transformação.  Claro, se já havia uma determinação de realizarmos o Enacom, ela foi multiplicada com a convocação da Conferência Nacional de Comunicação. A Confecom  coloca na ordem do dia a regulamentação do que se convencionou chamar de Quarto Poder, que se crê acima dos demais, a quem tenta controlar e até mesmo subjugar. A tomada de consciência de que há uma disputa de projetos em curso e que os meios de comunicação têm se alinhado historicamente contra a grande maioria, contra os interesses nacionais e populares, buscando manter os privilégios de uma ínfima minoria, nos impulsiona à ação pela democratização dos meios de comunicação, que é essencial para o aprofundamento da própria democracia no país.

Do ponto de vista prático, o que a CUT vem fazendo para mudar esta realidade?

Há, naturalmente, uma ação interna e outra externa. Dentro, temos investido nos nossos instrumentos de comunicação e na geração de conteúdo, com abordagem sobre a ação política-sindical da entidade, mas também abordando cultura, economia e política internacional, particularmente através do Portal do Mundo do Trabalho e do Jornal da CUT. Além disso, podemos comemorar a conformação da Rede Brasil Atual, onde além da Revista do Brasil, com seus 360 mil exemplares, temos a Rádio Brasil Atual e a página da internet. Os companheiros do ABC conseguiram há pouco tempo a concessão da sua TV. Colaboramos também para que várias CUTs estaduais estruturassem as suas páginas web e as mantenham atualizadas. No âmbito externo, a própria convocação da Confecom, que é um marco na história brasileira, é resultado da nossa ação e mobilização ao lado de parceiros preciosos como os do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, da Abraço, da Fenaj, do Coletivo Intervozes e de tantos que vêm lutando para que esta bandeira se torne realidade. Ao mesmo tempo estamos procurando incentivar os canais comunitários e a imprensa alternativa, que merecem muito mais apoio e atenção dos governos populares. No fundamental, estamos avançando.

O que é prioritário para democratizar a comunicação neste momento?

A democratização da comunicação passa pelo controle social das concessões públicas, pela construção de um novo marco regulatório que rompa de uma vez por todas com a ditadura de meia dúzia de famílias que controla o latifúndio midiático em nosso país. Latifúndio que é improdutivo do ponto de vista da pluralidade, pois desrespeita o direito à informação veraz ao mercantilizar a notícia, criminaliza os movimentos sociais, promove a baixaria, fecha espaços para a diversidade regional, minimiza e empobrece a cultura nacional, aliena e deseduca.  Nesta queda de braço, precisamos estar alertas quanto a tentativa reacionária de se sacramentar o controle dos monopólios estrangeiros sobre as diversas plataformas de comunicação, principalmente, através das teles. Vale lembrar que a comunicação vinha sendo tratado como tabu até bem pouco tempo, sendo vedada à participação popular. Daí a importância de aproveitarmos esta oportunidade para romper os gargalos que asfixiam o sistema de comunicação brasileiro, apontando para a construção de políticas públicas que o oxigenem, com fortalecimento de canais de rádio e televisão comunitários, públicos e estatais, com descentralização das publicidades. O próprio tema da Conferência, "Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital", reflete o desafio do momento e as imensas possibilidades que se abrem a partir do desenvolvimento das novas tecnologias. Acima de tudo, dialoga com a inclusão. Já que temos por princípio que o acesso à comunicação é direito humano, uma de nossas bandeiras é que o acesso à banda larga seja gratuito para todos.

E o projeto do deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o chamado AI-5 digital?

Sem dúvida, é bastante preciso o apelido, identificando a medida com o instrumento utilizado pela ditadura para cercear as liberdades democráticas no país. Porque é um mecanismo excludente, que vem na contramão de tudo o que estamos construindo para uma rede de comunicação aberta. É uma tentativa inadmissível de censura à internet, cada vez mais uma expressão plural da liberdade na era da informação mercantilizada, onde poucas empresas concentram o fluxo da comunicação. Com seu projeto, o deputado tucano coloca obstáculos ao livre intercâmbio de mensagens e torna suspeitos de prática criminosa todos os usuários. Entre tantos abusos, transforma os provedores de acesso em polícia privada, atentando contra a privacidade dos internautas, justificando ainda por cima a elevação dos já absurdos custos.

De um lado, o projeto policialesco para asfixiar a internet, do outro a decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com a Lei de Imprensa, facilitando a vida dos monopólios privados. O que fazer?    

Avaliamos que o STF impôs ao país a mesma lógica do faroeste, conferindo carta branca aos monopólios de comunicação, que dominam quase completamente o espectro audiovisual e a formatação de idéias e informações no país. Aquela era uma lei dos tempos da ditadura militar, que tanto combatemos, e precisava ser completamente reformulada. Mas, infelizmente, o que o STF fez foi conferir aos meios de comunicação os mesmos poderes discricionários da época. A Lei de Imprensa determinava penas maiores para os crimes de calúnia e difamação do que o código penal, sendo um anteparo contra os abusos dos donos dos meios de comunicação que, agora, se veem sem freios. Na prática, ficaram ainda mais vulneráveis os que são bombardeados cotidianamente pelos mísseis dos anti-valores políticos, ideológicos e culturais, via rádio, televisão, revista e jornal. Uniformizando o discurso, nos impõem padrões de comportamento que exacerbam a violência, o consumismo e o preconceito. Desta forma, ao contrário de se investir no fortalecimento de uma imprensa livre, diversa e plural, a decisão do STF fomenta ainda mais os vínculos político-financeiros entre os donos dos meios e seus financiadores, ao negar o direito de resposta a quem é atacado. Uma luta "livre" entre um peso pesado e um mini-mosca, a quem é conferido o direito de apanhar e ser hospitalizado. Agora, os pedidos de resposta – mais do que necessários diante dos reiterados abusos praticados cotidianamente por uma mídia que reduziu a informação a um negócio qualquer – ficarão à mercê da interpretação de juízes, à luz do parágrafo 5º da Constituição, que assegura muito genericamente o "direito de resposta, proporcional ao agravo" e indenização por eventuais danos. A CUT defende a aprovação de uma nova lei que regulamente o setor, pondo freio a eventuais abusos.

E, mais recentemente, tivemos o fim da obrigatoriedade do diploma para os jornalistas…

Exato. São medidas arbitrárias do STF, que se somam num retrocesso institucional que expõe o vergonhoso atrelamento da mais alta corte do país aos interesses da elite (anti) brasileira, ao seleto grupo de novos coronéis que controlam a mídia. Na verdade, como diz a nossa Federação Nacional dos Jornalistas, o fim do diploma consolida o cenário dos sonhos dos que por serem donos de meios de comunicação se crêem donos da verdade, ameaçando as bases da própria democracia brasileira. A Fenaj alerta que, ao contrário do que querem fazer crer, a desregulamentação total das atividades de imprensa no Brasil não atende aos princípios da liberdade de expressão e de imprensa consignados na Constituição brasileira nem aos interesses da sociedade, mas é, na verdade, uma ameaça a esses princípios e, inequivocamente, uma ameaça a outras profissões regulamentadas que poderão passar pelo mesmo ataque, agora perpetrado contra os jornalistas. O STF agrediu a memória de gerações de jornalistas profissionais e, irresponsavelmente, revogou uma conquista social de mais de 40 anos. Em seu pronunciamento, o ministro Gilmar Mendes transferiu exclusivamente aos patrões a condição de definir critérios de acesso à profissão. Da mesma forma como o Supremo fez no julgamento da Lei de Imprensa, confundiu liberdade de expressão e de imprensa com o exercício de uma atividade profissional altamente especializada, que exige inúmeros conhecimentos teóricos e técnicos, além de sólida formação humana e ética. Nosso compromisso é seguir batalhando ao lado da Fenaj em defesa da regulamentação da profissão e da qualificação do jornalismo, mobilizando a sociedade brasileira contra os reiterados ataques de empresários que tentam desqualificar a profissão para impor a precarização das relações de trabalho e ampliar o arrocho salarial existente.

A CUT já se manifestou contrária ao PL-29. Agora, está para ser votada uma nova versão, que é ainda pior, cujo relatório é do deputado Vital do Rêgo Filho (PMDB/PB), na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara. E agora?

No fundamental, como já denunciamos, o PL-29 "escancara as portas para o oligopólio estrangeiro das telecomunicações, desnacionalizando ainda mais o setor", como afirmou o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) sobre o substitutivo proposto pelo deputado Bittar. Agora, o deputado Vital Rego Filho retira os pretensos  "avanços tecnológicos" e até mesmo as inexpressivas cotas propostas para a produção nacional e nacional independente. É, sem dúvida, ainda pior do que a anterior, pois suprime o princípio de "promoção da língua e cultura brasileiras", ao mesmo tempo em que sublinha a "liberdade de iniciativa, mínima intervenção da administração pública, modicidade de preços e defesa da concorrência". Isso tudo para jogar água no moinho das três empresas que monopolizam o mercado de TV por assinatura no país, atendendo uma parcela extremamente restrita da população devido aos preços elevados: a espanhola Telefônica, dona da TVA; da Telmex, dona da NET; e da Sky, pertencente ao grande barão da mídia Rudolf Murdoch.

Em vez de se avançar, dando vida aos artigos da Constituição de 88 que não foram regulamentados, o PL-29 aposta em um retrocesso ainda maior…

O fato é que a duas décadas,não tínhamos nem TV a cabo nem internet. Daí a necessidade de que elas se submetam ao que estabelece  a Constituição, expressos nos artigos 221, 222 e 223, justamente os que não estão regulamentados e que estabelecem claramente preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural… Agora, em vez de servir para atualizar a legislação e estabelecer normas onde existem "vácuos", como o da TV por assinatura via satélite, o PL 29 vem para socorrer a indústria de entretenimento dos monopólios estrangeiros, legalizando a burla da Lei do Cabo.

Ou seja,  o que vem sendo praticado  hoje na  TV a cabo é exatamente o oposto do estabelecido como princípio na Constituição Federal?

Exato. Como diz a propaganda de uma destas companhias estrangeiras: "nestas férias, assine a TV X e deixe seus filhos em boa companhia". São canais do estilo Discovery Kids, Warner, Cartoon Networks, Disney, Nickelodeon, Fox, Telecines, que passam exclusivamente produtos enlatados, sem qualquer identidade com a cultura brasileira, injetando preconceitos, padrões de comportamento e consumo a crianças e jovens, tendo a violência como a principal estética e o lucro como objetivo central.

Caminhões de dólares…

Os negócios da indústria do entretenimento  somam mais de US$ 1,5 trilhão, sendo US$ 260 bilhões só nos EUA. Além disso, existe um vínculo comprovado com a indústria bélica e os interesses nacionais norte-americanos. Desta forma é natural que os generosos agentes da CIA e os rambos da vida enfrentem vietnamitas torturadores, palestinos terroristas, cubanos traficantes e outras invencionices. A batalha da mídia virou uma guerra de posições, como já nos ensinava Gramsci, e não se dá bem quem entrega a própria trincheira ao inimigo. Elevo o tom do debate pois o fato é que se não há espaço ao contraditório na TV comercial, há ainda menos na TV paga, completamente loteada entre os estrangeiros. A questão é gravíssima. O que está sendo inteiramente desconsiderado, para não dizer apagado e mutilado, somos nós: nossa cultura, nossas raízes, nossa música, nossos desenhos, nossos heróis, nossos valores, nossa auto-estima, a forma como nos vemos e vemos aos outros… Como já nos alertou Marx, os meios "recolhem, produzem e distribuem conhecimento e ideologia".

Estamos falando sobre algo que dialoga com a soberania nacional, com a formação de consciência, de caráter, do presente e futuro de gerações. Como o tema das outorgas é seríssimo, não deveria ser submetido a critérios mais duros?

Evidentemente. Só que o substitutivo do deputado Vital do Rego Filho assinala que as outorgas de redes serão dadas por simples autorização e não por concessão. Foi o que ocorreu quando da implantação de TV por assinatura via satélite, que sequer passou pelo Congresso. Assim, com uma portaria do Ministério das Comunicações, foram distribuídas autorizações para Globo (Sky/News Corp./Televisa) e Abril (DirecTV/Hughes Eletronics/grupo Cisneros) antes mesmo de regulamentação. O nome pomposo em que foi enquadrada a medida, "Serviço Especial de Telecomunicações",serviu para mascarar a entrega, sem restrição, ao capital estrangeiro. Posteriormente, a transação foi regulamentação com uma Norma 08/97, contida na Portaria 321, de 25 de maio de 1997, quando mudou de nome para Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Satélite (DTH). São questões como estas que estão em jogo e que deveriam sensibilizar os setores governamentais para a liberação imediata dos recursos para a Confecom. Afinal, este é um debate que interessa a toda sociedade, diz respeito a um projeto de país e que confronta soberania e submissão, desenvolvimento e atraso, consciência e alienação. Por isso não há tempo a perder.

A partir do seu Encontro Nacional de Comunicação, a CUT sairá ainda mais preparada para o embate…

Evidentemente. Será um debate amplo, livre e que, com certeza, produzirá bons frutos, contribuindo para o intenso processo de mobilização que desejamos desencadear pelo país afora, aproveitando ao máximo o processo da Conferência Nacional de Comunicação. No nosso Enacom, além das intervenções de especialistas e dirigentes das diversas entidades representativas do segmento, teremos o envolvimento de companheiros e companheiras que colocam a CUT na vanguarda do sindicalismo brasileiro, justamente pela sua capacidade de elaboração e articulação com os movimentos sociais. Estamos otimistas.