Por Antônio Augusto de Queiroz (*)
Retoricamente, todos – Governo, Sociedade e Parlamento – estão de acordo com a necessidade e até urgência de uma reforma política, bem como com a ampliação dos instrumentos de participação direta, mas não existe nenhum acordo a respeito do conteúdo nem sobre a melhor forma de se fazer isso.
A complexidade e a polêmica no debate da reforma política são naturais, porque qualquer reforma estrutural no sistema eleitoral e partidário terá ganhadores e perdedores. Existem interesses políticos, partidários e pessoais envolvidos, que podem comprometer o projeto de reeleição de muitos parlamentares. É uma questão de escolha e isto explica a dificuldade de aprová-la.
As manifestações populares recentes, entretanto, podem dar novo impulso ao debate e até produzir resultados. Para tanto, há necessidade de forte pressão da sociedade e do Poder Executivo sobre o Congresso, seja para arrancar um plebiscito, seja para promover a reforma e submetê-la ao referendo popular.
Esta é a oportunidade para promover uma reforma política, em suas dimensões partidárias e eleitorais, que dê consistência programática e ideológica aos partidos, combata a corrupção, promova a equidade na disputa eleitoral, aproxime o eleito de seus representados e, principalmente, facilite a participação popular direta no processo de formulação das políticas públicas.
O ideal, do ponto de vista operacional, é que fosse possível promover a reforma política por um Congresso eleito especificamente para isto, como chegou a propor a presidente Dilma Rousseff. Seria a única hipótese capaz de promover uma profunda reforma política que atacasse os principais males do nosso sistema representativo, como o divorcio entre representantes e representados. Mas isto está fora do horizonte.
Resta, portanto, promovê-la pelo Congresso, com a apreciação do texto por cada Casa (Câmara e Senado) separadamente, uma como revisora da outra.
A tradição do Congresso em matéria de mudanças na legislação eleitoral e partidária, todavia, é de só promover alterações de forma gradual e com generosas regras de transição.
São exemplos dessa tradição, as leis aprovadas no período pós-constituinte, com um passo de cada vez, a começar pela Lei de Complementar de Inelegibilidade, em 1990; a lei geral dos partidos políticos, em 1995; a lei das urnas eletrônicas, em 1996; a lei geral das eleições, em 1997; a lei de iniciativa popular que proíbe a compra de votos, em 1999; a reforma eleitoral de 2006; a decisão do STF sobre fidelidade partidária, em 2007; a lei com normais eleitorais, em 2009; e a Lei Complementar de iniciativa popular da Ficha Limpa, em 2010.
Com a atual composição do Congresso, certamente uma reforma política evitará alguns temas considerados tabus, como o voto facultativo, a candidatura avulsa, a fidelidade programática dos partidos, a destituição de mandato (recall), a eleição de suplentes, e o fortalecimento da democracia participativa, entre outros.
Neste contexto, o debate sobre plebiscito proposto pela presidente da República, ou referendo, defendido pelo presidente da Câmara, pode fazer muita diferença, do ponto de vista do escopo e do conteúdo.
No plebiscito, o povo é consultado previamente e define as diretrizes a serem observadas pelo Congresso na elaboração da lei eleitoral e partidária, a partir de respostas a perguntas sobre os principais temas da reforma. Isto, em tese, obrigaria o Congresso a ser fiel às decisões que resultassem da consulta popular.
Já no referendo, a população aprova ou rejeita uma lei elaborada pelo Congresso. Essa lei, certamente, será muito mais restritiva ou mais conservadora do que aquela emanada diretamente da vontade popular.
No plebiscito, com certeza, poder-se-ia indagar, entre outros aspectos, sobre o financiamento de campanha, com perguntas sobre: a) contribuição de empresas, b) financiamento exclusivamente público, ou, c) contribuição apenas de pessoa física e com valor limitado.
No referendo, se o projeto não tratar de determinado tema ou se dispuser sobre ele de outro modo que não o desejado, o eleitor não terá alternativa: ou aprova ou rejeita, sem chances de modificação.
Um exemplo ilustra bem isto. O Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de dois para um o número de suplentes de senador e proíbe que o candidato indique parente para compor a chapa, mas não instituiu a eleição direta para o suplente nem impede que ele assuma como titular, na hipótese de morte ou renúncia do titular, mesmo que falte mais de um ano para o término do mandato, o que estaria mais de acordo com a vontade popular.
Com tantos temas polêmicos intrínsecos à reforma política, chegar-se a um consenso ou reunir maioria para aprová-los, com um Congresso com a presença de mais de 20 partidos, não é uma tarefa fácil. Além disto, ainda existem algumas peculiaridades processuais que complicam a aprovação das matérias.
Os 20 partidos com representação no Congresso podem ser classificados, para efeito da reforma política em: i) grandes, considerando como tal aqueles com mais de 50 deputados; ii) médios, com menos de 50 e mais de 20 deputado; iii) pequenos com menos de 20 e mais de seis; e iv) nanicos, com menos de cinco.
Desses quatro blocos partidários, somente os grandes (PT, PMDB e PSDB) desejam uma reforma política que enxugue o quadro partidário. Os médios (PP, DEM, PSD, PR, PSB, PDT), com raras exceções, temem perder com a reforma política, e por isso se constituem no principal vetor de dificuldade para a aprovação da reforma. Os pequenos e nanicos, assim como os médios, dependem de coligações para sobreviver politicamente, daí a resistência deles.
E se os médios, os pequenos e os nanicos se unirem, e por uma questão de sobrevivência tendem a se unir na maioria dos pontos, teriam poder de veto em relação, por exemplo, às mudanças que necessitarem de mudança no texto constitucional.
A forma mais eficaz de reduzir o número de partido, sem retirar-lhes a autonomia e independência, tem sido a instituição de cláusula de barreira ou o fim das coligações nas eleições proporcionais, mas são mudanças que dependem de alteração na Constituição.
O curioso é que os temas com maior consenso na sociedade exigem mudança na Constituição, o que requer um quórum de 3/5 ou 308 votos na Câmara e 49 no Senado, enquanto os temas que precisam apenas de maioria simples para sua aprovação (o voto de metade mais um dos presentes, desde que presente a maioria absoluta, 257 deputados e 41 senadores), são os mais polêmicos e complexos.
O fim das coligações, por exemplo, tem grande consenso na sociedade, mas sua aprovação depende de alteração no texto constitucional, o que exige quórum de 3/5.
Já temas como financiamento exclusivamente público de campanha ou a proibição de contribuições de empresas ou, ainda, a adoção do sistema de lista fechada, que exigem quórum de maioria simples para sua aprovação, são muito polêmicos e complexos, dividindo praticamente todos os partidos.
Existem projetos e Propostas de Emenda à Constituição em tramitação sobre todos os temas possíveis de serem incluídos em uma reforma política, mas não existe liderança com capacidade de coordenação nem unidade política para promover um consenso sobre eles, seja pela complexidade das matérias, seja pelos interesses em jogo.
A Câmara dos Deputados constituiu uma comissão especial, sob a coordenação do deputado Candido Vaccarreza (PT/SP), para propor uma reforma política no prazo de 90 dias, que após votada no Congresso, seria submetida a referendo popular.
A expectativa é que os parlamentares, sensíveis à pressão da sociedade, que pede mudança, e o governo, que incluiu a reforma política em sua pauta, promovam uma reforma que seja digna desse nome. Ou fazem a reforma, ou a renovação do Congresso em 2014 poderá ser superior à de 1990, quando apenas 38% dos deputados foram reeleitos.
(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Publicado originalmente na edição 73, de agosto, do Le Monde – Diplomatique – Brasil.