Em artigo publicado no site de notícias Poder360, André Leão, pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), explica como o engajamento do estado chinês na implementação de energias de baixo carbono impactará a geopolítica global de energia
Por André Leão, do Ineep
Além do objetivo de reforçar o controle sobre o consumo de combustíveis fósseis, esse plano pretende elevar a participação da hidroeletricidade e de fontes renováveis na matriz de consumo de energia, passando de 16% para 20%, bem como intensificar a escala de produção de energia eólica e solar.
Em agosto, o governo chinês divulgou um white paper, intitulado “China’s Energy Transition”, que trata das ações empreendidas no campo da transição energética nos últimos dez anos. Embora o país asiático ainda enfrente desafios importantes a serem superados para o cumprimento das metas estabelecidas, são inegáveis os avanços conquistados nesse setor.
Uma das metas anteriores consistia em reduzir o consumo de energia por unidade do Produto Interno Bruto (PIB) em 13,5% até 2025 em comparação com 2020. No entanto, até o final de 2023, a intensidade energética diminuiu apenas 7,3%. Por esse motivo, o Plano de Ação estabeleceu uma nova meta de diminuição do consumo energético em 2,5% até o fim de 2024.
Outra meta que tem sido difícil de ser atingida se refere à retração das emissões de carbono em 18% até 2030, principalmente quando ela é comparada aos outros objetivos.
Um estudo publicado pela plataforma CarbonBrief destaca que a China precisaria reduzir suas emissões em 2% neste ano e em 2025 para atingir a meta determinada. Nesse caso, o Plano de Ação é ainda mais ousado, já que pretende limitar a intensidade de carbono em 3,9% também até o final deste ano.
Não obstante a matriz elétrica da China ainda ser amplamente dominada pelo uso de carvão, a demanda de petróleo ser grandemente impulsionada pela indústria petroquímica e a dificuldade de se atingir algumas das metas, o governo tem ampliado investimentos em ações de transição energética, por exemplo, o aumento da eletrificação da frota de veículos, e o uso de hidrogênio e de gás natural liquefeito como combustíveis no sistema de transporte.
Essas medidas ajudam a explicar, em parte, a redução recente do crescimento da demanda chinesa por petróleo.
Segundo o relatório do BloombergNEF, intitulado Energy Transition Investments 2024, em 2023, a China foi o país que mais investiu no mundo em energias renováveis, atingindo US$ 676 bilhões, o que corresponde a 38% do total global.
De acordo com o white paper, desde 2013, a China tem sido responsável por mais de 40% dos acréscimos anuais à capacidade global de energia renovável.
E o estudo da CarbonBrief também mostra que o percentual de investimentos em energia limpa no total do PIB chinês aumentou de 7,2% em 2022 para 9% em 2023, e que, sem esses investimentos, o PIB teria crescido apenas 3%, longe dos 5,2% alcançados.
Além disso, a análise da CarbonBrief destaca o crescimento de 63% na produção de energia solar no ano passado, e a capacidade instalada teve um acréscimo de 200 gigawatts (GW), mais do que o dobro do ano anterior (87 GW). Em relação à energia eólica, a capacidade instalada ultrapassou 40 GW – à eólica offshore foi acrescentada 6 GW.
Segundo o white paper, a meta do governo chinês era atingir um total de 1200 GW de energia eólica e solar até 2030, mas a aceleração de instalações de equipamentos renováveis possibilitou uma antecipação do alcance da meta em seis anos, que ocorreu em julho deste ano.
Por fim, ressalta-se a produção chinesa de veículos elétricos, que apresentou alta de 36% em 2023, atingindo 9,6 milhões de unidades. A despeito de a maioria deles serem vendidos no âmbito doméstico, as exportações aumentaram 78% no ano passado, totalizando 1,2 milhão de veículos.
Mesmo diante da notável evolução de ações de transição energética, autoridades chinesas asseguraram que o país continuará a estabelecer novas metas e medidas para manter a velocidade da transformação da matriz energética nacional, conforme se observa no white paper.
Segundo o documento, no final do mês passado, a capacidade instalada de energia renovável da China atingiu 1,68 bilhão de quilowatts (KW), o que representa mais de 54% da capacidade instalada total do país. Em 2023, a nova capacidade instalada na China representou mais da metade do total mundial, como atestam os dados divulgados em junho pelo Statistical Review of Energy Institute.
Ademais, na última década, a geração anual de energia a partir de combustíveis não fósseis aumentou em 2,2 trilhões de quilowatts-hora (KWh), o que equivale a uma diminuição das emissões de dióxido de carbono em aproximadamente 2 bilhões de toneladas.
O engajamento do Estado chinês na implementação de energias de baixo carbono impactará a geopolítica global de energia. Além de poder transformar profundamente a matriz energética no mundo, contribuindo paulatinamente para a redução do uso de combustíveis fósseis, a liderança do país pode ajudar no desenvolvimento de arranjos internacionais da área de meio ambiente e de mudanças climáticas.
Entretanto, esse objetivo externo, ou seja, a manutenção do compromisso com os acordos internacionais atualmente em vigor e com outros que futuramente possam surgir, depende, em grande medida, do cumprimento das metas e das diretrizes governamentais domésticas voltadas para o setor de transição energética.
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