Confira a entrevista do coordenador da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária…
Entrevista originalmente publicada na Revista IHU On-Line
“Talvez, o maior estrago que a mídia faz junto à classe trabalhadora seja ideológico. Os meios de comunicação passam 24 horas pregando o individualismo, a competição, o consumismo. A solidariedade e a ação coletiva como forma de atingir a transformação social são apresentadas de forma negativa, como algo que já está superado, com o objetivo de desmobilizar os trabalhadores”. A opinião é do coordenador executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço Nacional e secretário geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC, José Sóter. Exatamente por isso que ele considera importante a participação do movimento sindical na Conferência Nacional de Comunicação. Crítico do Ministério das Comunicações, Sóter considera que ele sempre esteve ligado aos interesses do monopólio. “Ele tem atuado mais como promotor dos interesses da radiodifusão privada do que como agente de controle público. O interesse privado dos donos da mídia tem prevalecido sobre o interesse público”.
Para José Sóter, “os grandes grupos de comunicação privados atuam como partidos políticos de fato. Apóiam os candidatos e partidos que representam o pensamento único das elites e atacam aqueles que se contrapõem a esta linha, sejam partidos ou movimentos sociais. A mídia interfere no resultado das eleições, tanto através da manipulação de pesquisas quanto pelas posições que defende sem permitir o contraponto”. Essa e outras afirmações são feitas por José Sóter na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line:
IHU On-Line – Quais os principais pontos que devem ser discutidos na Conferência Nacional de Comunicação?
José Sóter – As políticas públicas de comunicação sempre foram discutidas entre os empresários e o governo. A Confecom tira este tema da penumbra e o traz para o debate público. As principais questões em discussão serão: o controle social da mídia, a democratização e transparência das concessões, a criação de uma lei geral da radiodifusão que contemple as emissoras comunitárias, e a implementação dos sistemas público e estatal. A descriminalização das rádios comunitárias, a desburocratização e democratização das concessões das emissoras comunitárias, o financiamento público para as mídias comunitárias e Internet em banda larga gratuita para todos também estarão em debate.
IHU On-Line – De que maneira pode acontecer o controle social sobre os meios de comunicação? Como a sociedade pode participar mais nos processos de produção da comunicação?
José Sóter – O controle social pode acontecer através dos conselhos de comunicação. O Conselho de Comunicação Social está inativo. A Abraço defende a recomposição do Conselho, com regulamentação do processo de escolha dos conselheiros para evitar solução de continuidade. Também defendemos a criação dos conselhos estaduais e municipais de comunicação. Outro instrumento de participação são as audiências públicas para avaliar as concessões e os conselhos editoriais com a participação de representantes da sociedade civil. A sociedade pode participar do processo de produção da comunicação desde que tenha acesso aos meios de distribuição. As rádios comunitárias são um instrumento concreto de participação da sociedade na produção da comunicação.
IHU On-Line – Qual sua avaliação geral sobre as políticas públicas na área de comunicação e sobre a postura do atual Ministério das Comunicações?
José Sóter – As políticas públicas de comunicação sempre foram tratadas como assunto dos empresários da comunicação e do governo. Com a Confecom, pela primeira vez, este tema é debatido pela sociedade de forma mais ampla. O Ministério das Comunicações sempre esteve ligado aos interesses do monopólio. Ele tem atuado mais como promotor dos interesses da radiodifusão privada do que como agente de controle público. O interesse privado dos donos da mídia tem prevalecido sobre o interesse público. Com o atual ministro não é diferente, basta ver a postura em relação às rádios comunitárias. O Ministério faz de tudo para dificultar a obtenção de outorga pelas comunitárias; os processos levam anos parados nas gavetas. Enquanto isso, a Anatel, que também atua na defesa da mídia corporativa, reprime as rádios sem outorga. Acontece que a responsabilidade pelas rádios não terem outorga é do próprio Ministério, que não dá andamento nos processos. Nós lutamos pela sua regularização. O projeto de lei em tramitação no Senado Federal, de autoria do ministro Hélio Costa, que permite a venda de emissoras sem a necessidade de autorização do Ministério das Comunicações, é outro exemplo da postura do ministro. Para as rádios privadas, menos controle público; para as comunitárias, burocracia e repressão.
IHU On-Line – Qual o papel do movimento sindical na Confecom?
José Sóter – A Central Única dos Trabalhadores – CUT, federações nacionais e sindicatos têm participado do processo de construção da Confecom. Esta participação é muito importante para reafirmar o caráter de classe da luta pela democratização da comunicação. A classe trabalhadora é quem mais sofre com o monopólio. Os movimentos sociais são criminalizados, as rádios comunitárias são taxadas de “piratas”, quando uma categoria vai à greve por aumento de salários ou melhores condições de trabalho, a mídia mostra os transtornos provocados pela greve, mas não dá espaço para os trabalhadores explicarem os motivos que os levaram à paralisação. Mas, talvez, o maior estrago que a mídia faz junto à classe trabalhadora seja ideológico. Os meios de comunicação passam 24 horas pregando o individualismo, a competição, o consumismo. A solidariedade e a ação coletiva como forma de atingir a transformação social são apresentadas de forma negativa, como algo que já está superado, com o objetivo de desmobilizar os trabalhadores. Por isso a participação do movimento sindical na Confecom é importante.
IHU On-Line – Em que medida a democratização da comunicação pode influenciar no avanço da democracia de forma geral no Brasil?
José Sóter – Os grandes grupos de comunicação privados atuam como partidos políticos de fato. Apóiam os candidatos e partidos que representam o pensamento único das elites e atacam aqueles que se contrapõem a esta linha, sejam partidos ou movimentos sociais. A mídia interfere no resultado das eleições, tanto através da manipulação de pesquisas quanto pelas posições que defende sem permitir o contraponto. O monopólio da comunicação é uma ameaça ao exercício pleno da democracia no Brasil. Não podemos confundir liberdade de expressão com manipulação, que é, exatamente, o inverso da liberdade de expressão. A democracia plena passa pela democratização dos meios de comunicação e pelo direito da população construir e operar os seus próprios meios de comunicação.
IHU On-Line – Quais as consequências de uma comunicação que atende apenas aos interesses do grande capital?
José Sóter – É uma comunicação que está a serviço dos interesses de uma elite, que impede os trabalhadores de se expressarem e que mercantiliza e vulgariza a cultura, sufocando as manifestações regionais e autênticas da cultura brasileira. Só tem espaço na mídia quem se submete à lógica da padronização a serviço do lucro. Por isso, defendemos a criação de TVs comunitárias, contemplando todos os municípios brasileiros, para, junto com as rádios comunitárias, fortalecerem essa cultura e a identidade local para o fortalecimento da cultura e da identidade nacional.
Escrito por Graziela Wolfart e Márcia Junges, do Instituto Humanitas Unisinos