Nova rodada de licitações da ANP vai prejudicar o setor nacional de petróleo e gás

Em novo texto publicada na revista Carta Capital, o Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas para o Setor de Óleo e Gás (GEEP/FUP) alerta para os impactos da 14ª Rodada de Licitações da ANP e demais leilões de óleo e gás programados pelo governo Temer. Leia a íntegra:

Impactos da “flexibilização” do Conteúdo Local, dos royalties e do Repetro

Por Eduardo Costa Pinto* e Caroline Scotti Vilain**

No próximo dia 27 de setembro a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realiza a 14ª Rodada de Licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural em bacias sedimentares marítimas (pós-sal) e terrestres. Essa será a primeira rodada licitatória após: I) a nova estratégia de negócios da Petrobrás (PNG 2007-2021), que está vendendo campos terrestres e marítimos e reduzindo suas intenções em atuar em novos campos; II) a redução dos índices de Conteúdo Local (CL); III) a política de redução dos royalties (para campos com menor potencial exploratório); IV) e a extensão do Repetro (regime aduaneiro especial que desonera a tributação de equipamentos importados destinados à pesquisa e à produção de petróleo e gás natural) até 2040.

A ANP, assim como o governo federal, vem argumentando que essas medidas regulatórias e tributárias têm como objetivo atrair novos investimentos estrangeiros para a exploração e produção de petróleo e gás. Nessa 14ª Rodada serão licitados 287 blocos que abrangem uma área de 122.622,40 km², sendo que o valor arrecadado com o leilão pode alcançar 1,694 bilhão de reais, caso todos os blocos sejam comprados sem ágio (valor mínimo) (Tabela 1). 

Tabela 1 – Descrição geral e valor mínimo

Bacia

Modelo Exploratório

Número de blocos

Valor Mínimo (R$ milhões)

Campos

Elevado Potencial

10

164,34

Espírito Santo

Elevado Potencial

7

103,49

Bacia Madura

19

2,09

Paraná

Nova Fronteira

11

4,47

Parnaíba

Nova Fronteira

12

5,87

Pelotas

Nova Fronteira

6

58,40

Potiguar

Bacia Madura

62

7,15

Recôncavo

Bacia Madura

27

2,35

Santos

Elevado Potencial

76

1.152,53

Sergipe-Alagoas

Elevado Potencial

11

188,95

Bacia Madura

46

4,62

Total

287

1.694,27

Fonte: ANP

 As áreas que vão a leilão são formadas tanto por bacias sedimentares marítimas de Sergipe-Alagoas, Espírito Santo, Campos, Santos e Pelotas quanto por bacias terrestres do Parnaíba, do Paraná, do Potiguar, do Recôncavo, do Sergipe-Alagoas e do Espírito Santo. Essas bacias são classificadas pela ANP em três diferentes modelos exploratórios (elevado potencial, bacia madura e nova fronteira [1]; veja na Tabela 1), o que impacta de forma diferenciada tanto nos preços de aquisição dessas áreas como nas alíquotas de royalties.

Cabe observar que a bacia de Santos sozinha (com elevado potencial e 76 blocos) representa cerca de 68% do total que a 14ª Rodada pretende arrecadar, ao passo que os blocos nas bacias maduras (154 blocos) equivalem a apenas 1% do valor passível de obtenção.

Ao todo 36 empresas se inscreveram junto à Comissão Especial de Licitação (CEL) da ANP para participar da 14ª Rodada, sendo que 32 delas foram habilitadas para participar do leilão. Essa lista é composta pela Petrobrás; por grandes empresas estrangeiras (a sino-espanhola Repsol Sinopec, a chinesa CNOOC, a francesa Total, a angro-holandesa Shell, as norte-americanas BP e Exxonmobil e a malaia Petronas); e por empresas de médio porte que irão atuar nas bacias maduras, como a Murphy e a Petro-Victory [2].

Embora se note um número maior de participação das empresas estrangeiras no leilão, a grande incógnita é em relação ao ímpeto da participação da Petrobras. Tudo indica que a estatal brasileira deve ter um papel secundário na 14ª rodada. Em primeiro lugar, porque recentemente anunciou vendas de campos terrestres na Bahia (16 campos nos polos de Buracica e Miranga) e no Rio Grande do Norte (34 campos no polo Riacho da Forquilha), bem como em várias áreas maduras da Bacia de Campos. Em segundo lugar, o próprio gerente-executivo da companhia, Mário Carminati, afirmou que a participação da empresa nos próximos leilões ocorrerá de forma seletiva e com foco em parcerias [3]. Esses dois fatos indicam que a Petrobras não parece disposta a adquirir bacias maduras e nas demais áreas deve entrar apenas ao lado de outras grandes operadoras e, por isso, aparece como um ator coadjuvante no processo.

Em relação ao Conteúdo Local, a 14ª Rodada reduziu os índices exigidos e estabeleceu parâmetros diferentes para os blocos licitados a depender da localização em terra ou em mar e da etapa produtiva (exploração e produção). No caso dos blocos em terra, independente da fase produtiva, a exigência mínima é de 50%. Para os blocos no mar o índice requerido, na fase de exploração, é de 18%. Na etapa de desenvolvimento da produção, os índices solicitados são: 25% na construção de poço, 40% no sistema de coleta e escoamento e 25% na unidade estacionária de produção.        Para exemplificar a significativa redução, na 11ª primeira rodada em 2013, os percentuais de conteúdo foram, em média, de 62% na etapa de exploração e de 76% nas etapas seguintes.

Assim como no CL, o edital dessa nova rodada estabeleceu alíquotas de royalties diferenciadas e menores do que verificado em licitações anteriores. Essa rodada apresentou as seguintes alíquotas: I) 5% para as os blocos das bacias de novas fronteiras do Paraná e de Pelotas; II) 7,5% para os blocos em bacias maduras; e III) 10% para os blocos de elevado potencial e de novas fronteiras do Parnaíba. Com isso, apenas 40% das áreas licitadas estão sujeitas ao pagamento do percentual máximo de 10%.

Essas mudanças nos índices do conteúdo local e dos royalties, com a manutenção do Repetro, podem até trazer certos benefícios financeiros imediatos para o setor com a atração de investimento estrangeiro, embora o número de empresas inscritas nesse leilão não sinalize um maior interesse em relação aos realizados anteriormente. O número de 36 inscritas está em linha com a 13ª rodada, em 2015 (37 empresas). O recorde foi registrado em 2013, na 11ª rodada, com 64 companhias habilitadas, em um cenário totalmente diferente do atual, principalmente porque o preço do petróleo se encontrava em um patamar muito mais elevado. O que define majoritariamente o interesse dessas empresas, portanto, são questões referentes ao próprio setor, como preço e volume de petróleo existente nos blocos leiloados, ao invés de elementos como royalties ou índice de conteúdo local. Em 2013, por exemplo, quando estes últimos dois índices eram bem maiores do que no leilão atual, observou-se um número muito maior de empresas interessadas do que agora.

Pode-se concluir que estes dois últimos fatores como proteção nacional não se apresentam como entraves para a atratividade dos leilões, uma vez que o número de empresas participantes se manteve estável. Ademais, o menor índice de royalties e de conteúdo local irá gerar custos no médio e longo prazo em virtude de um “crescimento setorial empobrecedor” haja vista as renúncias fiscais (royalties e importações de equipamentos) – em um contexto de queda de arrecadação dos entes públicos – e os impactos negativos da política de conteúdo local sobre os fornecedores nacionais do setor, ampliando o processo de desindustrialização e seus efeitos negativos sobre o emprego e renda.

O regime aduaneiro especial do Repetro foi o principal componente da renúncia fiscal aduaneira e da suspensão da exigibilidade do crédito tributário no Brasil entre 2005 e 2015 (cerca de 23%), segundo dados da Receita Federal. Em tempo de ajuste fiscal essa perda de receita é passível de questionamentos. Não é aceitável, nesse momento, a sociedade brasileira subsidiar as importações de grandes petroleiras estrangeiras. Além da questão fiscal, vale observar que essa política gera a industrialização (emprego e renda) dos segmentos fornecedores de máquinas e equipamentos no exterior ao estimular as importações. Em certa medida isso era compensado com a política de conteúdo local mais abrangente, pois os volumes de importações eram regulados pelas exigências anteriores do CL.

Vale ainda ressaltar que a atual rodada é o primeiro passo de uma expressiva aceleração em curso de novas licitações em diversas áreas (2ª e 3ª rodadas de campos do pré-sal em 27 de outubro de 2017 e novas rodadas no biênio 2018-19). Isso necessariamente acelerará o ritmo de exploração e produção de petróleo e gás e, em um contexto de dificuldades da indústria nacional e de políticas governamentais que estimulam as importações (redução do CL e Repetro), provocará uma expressiva desnacionalização do setor e da cadeia de fornecedores, reduzindo a capacidade nacional do controle das riquezas geradas pela renda do petróleo (que tem tempo de validade). Com efeito, a criação das chamadas de leilões em um calendário muito apertado, com datas próximas e em meio à uma crise política e fiscal, pode aumentar o poder do setor privado nos investimentos do setor no longo prazo e diminuir a capacidade da Petrobras de exercer sua capacidade exploratória nos blocos ofertados.

Como afirma o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, essa aceleração dos leilões “pode levar à produção predatória das empresas que vierem atuar no país [4]”, fragilizando o papel do petróleo na discussão de estratégia energética em longo prazo. Como essas áreas leiloadas poderiam gerar impactos positivos para o desenvolvimento de diversos setores no Brasil, eles deveriam ser tratados como propriedade nacional voltada ao planejamento energético que requer maior cautela na sua oferta e na abertura para empresas privadas.

Por fim, mesmo que a 14ª rodada de licitações seja exitosa em relação à arrecadação financeira almejada, é preciso observar que os instrumentos (“flexibilização” da CL e dos royalties e a expansão do Repetro) utilizados para tal intento gerarão, ao mesmo tempo, o crescimento, a desnacionalização do setor e a redução do controle da renda do petróleo na medida em que importantes fases produtivas de maior valor agregado (intensivas em renda e tecnologia) serão desenvolvidas em outros países. Ou seja, quem mais vai ganhar com isso tudo são as grandes petroleiras estrangeiras e as indústrias de outros países, ao passo que a indústria nacional, sobretudo, a de máquinas e equipamentos, será a maior perdedora, assim como os trabalhadores desse segmento.


[1]No que tange aos modelos exploratórios, o edital da 14º Rodada da ANP (http://www.brasil-rounds.gov.br/arquivos/Round14/edital/edital_r14.pdf) afirma que: “a) blocos em bacias maduras, com o objetivo de oferecer oportunidades e aumentar a participação de empresas de pequeno e médio porte nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural em bacias densamente exploradas, possibilitando a continuidade dessas atividades nas regiões onde exercem importante papel socioeconômico; b) blocos em bacias de novas fronteiras, com o objetivo de atrair investimentos para regiões ainda pouco conhecidas geologicamente, com barreiras tecnológicas ou do conhecimento a serem vencidas, buscando a identificação de novas bacias produtoras; c) blocos em bacias de elevado potencial, com o objetivo de recompor e ampliar as reservas e a produção brasileira de petróleo e gás natural e o atendimento da crescente demanda interna.” (p. 14)

 [2] Seu foco no Brasil é a exploração e produção de campos terrestres, anunciando sua entrada no mercado brasileiro através da aquisição de quatro campos no Nordeste. Seu processo aguarda o aval da ANP para assumir os ativos.

*Professor do Instituto de Economia da UFRJ e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da Fundação Única do Petroleiros (FUP). E-mail: [email protected].

**Internacionalista (UFSC) e mestranda em relações internacionais (UnB). Atualmente, é uma das integrantes do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP.