Chavez conduz retomada do controle estatal na Venezuela

Expropriações e ocupações em setores estratégicos do país feitos nas últimas semanas…

Agência Brasil de Fato

Expropriações e ocupações em setores estratégicos do país feitos nas últimas semanas pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, causaram desconforto em setores da burguesia venezuelana e em membros da oposição, que acusam-no de exercer uma política de opressão e centralização de poder na figura do presidente. Hugo Chávez defende que a política adotada na Venezuela trata-se da “radicalização do processo revolucionário”, e que as mudanças que vem realizando levarão a uma “busca mais intensa de suas raízes revolucionárias e bolivarianas”.

Na avaliação da economista e educadora popular Roberta Traspadini, as medidas adotadas por Chávez e o modo como ele tem conduzido a política governamental podem ser incluídos no contexto de resistência ao imperialismo na América Latina, encabeçada por ele e outros presidentes. “A gente tem que inserir toda essa política implementada pelo Hugo Chávez, pelo Evo Morales e pelo Correa, em certa medida, como uma política que tenta reverter a situação de sub-imperialismo vivido no continente”, defende.

Para Roberta, o que Chávez tem feito é “implementar pouco a pouco uma política internacional de retomada da força do Estado sobre o capital”. A economista explica que a capacidade que o capital -nacional e transnacional- teve de promover uma política de favorecimento de seus interesses na América Latina, vem sendo rompida por meio de medidas com as que Hugo Chávez tem tomado. “O que no continente se apresentava como hegemônico e onipotente, agora está podendo ser rompido a partir de uma política mais nacionalista e menos antineoliberal”, resume.

Intervenções

Dia 28 de fevereiro, Chávez iniciou uma série de expropriações de terras de grandes propriedades, segundo ele ociosas, e ocupou fábricas produtoras de arroz acusadas de estocar o produto a fim de promover uma alta no preço de mercado, e burlar o sistema de regulação de preços dos itens da cesta básica utilizado pelo governo. Dentre as intervenções feitas pelo governo, militares da Guarda Nacional ocuparam a fábrica de arroz Primor, em Calabozo, pertencente à empresa Polar, a maior produtora de alimentos da Venezuela. Também foi expropriada uma unidade de produção de arroz da norte-americana Cargill.

Complementarmente, no dia 15 de março, Chávez determinou a ocupação pela Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) dos portos e aeroportos nos Estados governados pela oposição. Segundo ele, a decisão foi tomada para combater as máfias e ao narcotráfico nestes locais, pontos estratégicos para a segurança do país. A ordem começou a ser cumprida no último dia 21, quando militares ocuparam o aeroporto e o porto da capital do Estado de Zulia (norte), Maracaibo, cidade administrada pelo opositor Manuel Rosales, o Porto Cabello, no Estado de Carabobo (centro), do governador opositor Enrique Salas Feo, e o aeroporto da capital do Estado, Valência.

Na avaliação de Marcelo Buzzeto, professor de Geopolítica da Universidade de São Paulo (USP) e membro do setor de relações internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tais ações não foram tomadas individualmente pelo presidente Chávez, mas fazem parte de um projeto de desenvolvimento nacional idealizado em 2007, e configurado através do Plano Socialista de Desenvolvimento da Nação, aprovado pela Assembléia Nacional do país. “Acho que as medidas são uma reação das forças democráticas populares e de esquerda que dão sustentação ao Chávez”, afirma.

Já em 2007, Chávez havia iniciado uma série de estatizações dos setores considerados estratégicos, com a nacionalização de companhias de telecomunicações e de eletricidade, da faixa petrolífera do rio Orinoco, da maior indústria siderúrgica do país e de três empresas de cimento.

Processo revolucionário

Para Marcelo Buzzeto, contudo, o termômetro para medir a “radicalização do processo revolucionário”, como defende o mandatário venezuelano, será o acompanhamento da “velocidade, intensidade e quantidade de expropriações que serão realizadas daqui para frente”. Isto porque, de acordo com ele, não existe um socialismo na Venezuela. “O país continua sendo capitalista. Quem tem o poder na Venezuela não é o Chávez, mas sim quem controla os meios de produção”, enfatiza.

No entanto, a opinião de Osvaldo Coggiola, professor titular de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), sobre o processo venezuelano não é a mesma. Ao contrário do que pensa Marcelo Buzzeto, Coggiola acredita que a política na Venezuela está fundamentalmente baseada na figura de Chávez. Para haver de fato um processo revolucionário, pontua, ele deve ser protagonizado pelo povo e não pela figura do presidente. “Não é isso que acontece atualmente, a população venezuelana não faz suas próprias batalhas, mas faz as batalhas de Chávez contra a oposição”, alega.

O historiador acredita que para os trabalhadores terem controle sobre os meios de produção, é necessário haver uma mudança na natureza do Estado, “deixando de ser totalmente subordinado ao direcionamento político do Chávez para se tornar um Estado onde efetivamente os próprios trabalhadores organizados farão parte do poder político”.

Efeitos da crise

Para Coggiola, as medidas que Chávez vem tomando nas últimas semanas, sobretudo a ocupação dos portos e aeroportos, servem para desarticular a oposição e estão diretamente relacionadas aos efeitos da crise econômica mundial na economia venezuelana, através da queda do preço do petróleo. O combustível é responsável por metade da receita do país. O orçamento, que previa para este ano o preço do barril em 60 dólares teve de ser revisto, e hoje o projeta em 40 dólares.

Devido a isto, o governo venezuelano apresentou no último dia 21 um pacote de medidas anticrise. Entre as ações a serem realizadas para conter os efeitos, está o corte de 6,7% no orçamento e o aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de 9% para 12%. Em contrapartida, Chávez anunciou o aumento em 20% do salário mínimo, a fim de manter aquecida a economia interna, e garantiu que as medidas anticrise não afetarão o emprego, nem os investimentos sociais.