FSM – a chance do futúro visita Belém

Belém vive, de um modo muito peculiar, o ambiente que Porto Alegre conheceu em 2001,

Por Marco Aurélio Weissheimer e Clarissa Pont –  Agência Carta Maior

Belém vive, de um modo muito peculiar, o ambiente que Porto Alegre conheceu em 2001, quando recebeu pela primeira vez o Fórum Social Mundial. Há, por certo, diferenças importantes. Uma delas não é um detalhe: o mundo mudou. Quando o FSM nasceu, como contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, a globalização ainda era cantada em prosa e verso e, seus críticos, taxados de anacrônicos, inimigos da tecnologia e malucos. Na época, o então presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a escrever um artigo chamando os organizadores e participantes do Fórum de “ludistas” (numa alusão ao movimento dos trabalhadores ingleses no início do século XIX, que destruíam máquinas por temer perderem o emprego para elas).

Os supostos avanços da globalização dos mercados eram apresentados como inevitáveis e necessários para a prosperidade das nações. Oito anos depois, os mantras neoliberais não só perderam força como estão cobertos hoje por pesadas nuvens de suspeição e descrédito. De 2001 a 2009, o otimismo e a euforia dos mercados transformaram-se em angústia e lamento.

Há, portanto, um ambiente de novidade que cerca o FSM 2009. O mundo mudou, afinal. E há uma grande novidade também para os paraenses que recebem pela primeira vez o Fórum. Pelos hotéis, ruas e restaurantes de Belém, começa-se a ouvir o inglês, o francês, o alemão, entre outras línguas. Essa polifonia, porém, não chega a ser novidade em um Estado em que se falam 60 idiomas. A Amazônia poliglota vai se encontrar com as outras línguas e pedaços do mundo. E vice-versa.

Vozes conservadoras da cidade, assim como ocorreu em Porto Alegre, em 2001, falam na possibilidade do caos tomar conta de Belém. Há, sem dúvida, uma dimensão caótica no FSM, mas se trata de um caos extremamente criativo. Uma das maiores expressões dessa criatividade é a capacidade que o Fórum teve, desde 2001, de antecipar diagnósticos e análises que acabaram sendo confirmadas pela realidade. O descontrole dos mercados, a enlouquecida e enlouquecedora livre circulação do capital financeiro, a destruição ambiental pela mercantilizaçao do mundo, a crise energética e a crescente militarização da agenda política das nações são alguns exemplos.

Belém terá a oportunidade de presenciar e formular algumas das primeiras grandes sínteses da esquerda mundial sobre as crises que marcam o início de 2009: crises econômicas, política, ambiental e energética. E isso num ambiente mundial bastante diferente daquele que marcou o nascimento do Fórum. Essa novidade, por si só, já representa um grande desafio para o movimento que, ao recusar as políticas e princípios da globalização neoliberal, lançou idéias e propostas que hoje já não recebem o rótulo de anacrônicas. O anacronismo, hoje, se mudou para as montanhas frias de Davos.

As vozes da Amazônia
O novo, como se sabe mais do que nunca neste início de 2009, estará reunido em Belém, de 27 de janeiro a 1º de fevereiro. Durante seis dias, milhares de pessoas estarão reunidas na região amazônica para o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um mundo, mais solidário, democrático e justo.

As vozes, cores, línguas e sons da Amazônia, os povos originários e tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e minorias excluídas, serão uma prioridade política no Fórum Social Mundial 2009. Pensando na participação de grupos e organizações destes povos foi criado um Fundo de Solidariedade para garantir a presença em Belém. O fundo é financiado por organizações internacionais e nacionais e ajudará a garantir uma participação equilibrada de organizações e entidades de países que historicamente não faziam parte do processo Fórum.

Em 2009, a mobilização indígena deverá ser a maior da história do Fórum Social Mundial. Belém será destino de cerca de 3 mil indígenas de todo o mundo. Cerca de 27% do território amazônico, formado pelos nove países da Pan Amazônia, é ocupado por terras indígenas e 10% de toda a população da América Latina, o equivalente a 44 milhões de pessoas, é composta por 522 povos tradicionais de diferentes etnias. São crianças e adultos que sofreram perdas irreversíveis provocadas pelo capitalismo neoliberal predatório, impulsionado pela expansão das atividades de empresas multinacionais sobre as reservas indígenas. Essa realidade, assim com a campanha mundial em defesa do planeta, está no centro da agenda destes povos no FSM 2009.

No Peru, por exemplo, das seis mil comunidades que habitam a Amazônia Andina, três mil estão ameaçadas pela exploração mineral realizada por empresas como a multinacional brasileira Vale. Nancy Iza, da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), que reúne movimentos indígenas de toda Pan Amazônia, alerta: “A mineração é atualmente o maior e mais grave problema enfrentado pelos povos da região Andina, que além de perder seus territórios já desertificados e improdutivos, onde os leitos de muitos rios foram desviados de seu curso normal, ainda convivem com as doenças provocadas pela substancia tóxica do mercúrio (utilizado na atividade mineral) que contamina o solo e as águas”.

Esse é um exemplo dos debates que a cidade de Belém viverá nos próximos dias. Enquanto isso, os patrocinadores do Fórum de Davos seguirão tentando explicar o que deu errado nos últimos anos. E, sobretudo, tentarão formular teorias para entender como o “novo” tornou-se “arcaico” e como aquilo que era apresentado como “velho” e “inimigo da modernidade” hoje representa a agenda de novidades que podem salvar o planeta de uma crise de proporções ameaçadoras.