Investimentos da Petrobrás em cultura despencam e gestão justifica com homofobia

Em 2019, estatal teve o menor investimento neste século, com uma queda de 85% em comparação com valor de 15 anos atrás; projetos como o “Nós do Morro” e o “Grupo Corpo” perderam patrocínios

[Da imprensa do Sindipetro Unificado SP | Reportagem: Igor Carvalho | Edição: Guilherme Weimann | Artes: Crioula Design]

Durante palestra para o grupo Personalidades em Foco, no dia 17 de setembro deste ano, Roberto Castello Branco, presidente da Petrobrás, justificou os cortes da estatal no financiamento de projetos culturais no país. Em seu discurso, o dirigente falou em “redirecionamento dos patrocínios” e atacou algumas produções do cinema nacional.

“Além da busca contínua por redução de custos, resolvemos mudar a composição de nossos patrocínios. A Petrobrás patrocinava artistas ricos e filmes de qualidade mais do que sofrível, como ‘Bixa Travesty’, ‘Lasanha Assassina’ e outras coisas mais”, apontou o presidente da Petrobrás.

O documentário “Bixa Travesty”, criticado por Castello Branco, circulou por mostras de cinema em diversas partes do mundo e foi premiado nos festivais de Toronto, Barcelona, Brasília e Mix Brasil. A produção, dirigida por Kiko Goifman e Claudia Priscilla, é protagonizada pela cantora Linn da Quebrada.

Para Tiago Franco, diretor do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP) e integrante da Frente Petroleira LGBT, a afirmação de Castello Branco é “violenta”. “É uma declaração que revolta, me indigna, mas não me surpreende, a partir do momento que é uma gestão ligada ao governo do ocupante do Palácio do Planalto [Jair Bolsonaro], com uma mentalidade extremamente LGBTfóbica, machista e racista, com completo despreparo com questões ambientais e desrespeito aos trabalhadores. Isso nós vimos em greves, no desastre nas praias do Nordeste e agora com essa declaração”, opina.

Ainda de acordo com o petroleiro, a declaração de Castello Branco  vem carregada de uma ideologia que tenta impedir as travestis de serem protagonistas de um filme patrocinado pela Petrobrás, “o que demonstra um discurso violento, que coopera para o que o Brasil seja o holocausto das travestis, onde a expectativa de vida delas não passa dos 40 anos”.

Queda livre

O “redirecionamento de patrocínios”, dito por Castello Branco, pode ser notado nos editais recentes publicados pela Petrobrás para distribuição de recursos na área da cultura, nos quais a estatal privilegia produções direcionadas apenas para o público infantil.

Um edital lançado em março deste ano premiará com R$ 10 milhões projetos em diversas áreas que atinjam o público infantil. Serão R$ 3 milhões para dança, teatro e circo. Projetos de animação também serão contemplados com R$ 4 milhões. Além de feiras literárias para crianças, que receberão R$ 3 milhões. Na palestra, Castello Branco afirmou que a Petrobrás “está investindo menos, mas em coisas que tenham maior retorno para a sociedade brasileira”.

Os números comprovam a mudança de rumo da estatal. O investimento da Petrobrás na cultura despencou nos últimos 15 anos, de acordo com dados obtidos pelo Sindipetro-SP nos balanços mensais divulgados pela empresa.

Em 2005, quando o país era governado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a estatal era presidida por José Eduardo Dutra, a Petrobrás investiu R$ 244 milhões em projetos culturais, um crescimento de 21% em relação ao ano anterior, quando a empresa empregou R$ 194 milhões no setor.

Em 2019, já com Jair Bolsonaro (sem partido) na presidência da República e Castello Branco no comando da estatal, a petroleira teve seu menor orçamento neste século para investir em Cultura no país, apenas R$ 37 milhões. O valor representa uma queda de 85% em relação a 2005.

Cortes políticos

Os cortes durante o governo de Bolsonaro atingiram diversos setores da cultura. Em abril de 2019, a petroleira anunciou que não renovaria, de uma só vez, o patrocínio de 13 projetos culturais no país, que custaram, em 2018, R$ 12,7 milhões.

Os 13 projetos que deixaram de ser patrocinados pela Petrobrás representam marcas expressivas na cultura brasileira. São seis festivais de cinema: Monstra Internacional de Cinema de São Paulo, Festival do Rio, Anima Mundi, Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Festival de Cinema de Vitória e Sessão Vitrine. Além de um tradicional cinema de rua de São Paulo, o CineArte.

Outros projetos foram abandonados pela estatal, três deles ligados à música: Casa do Choro do Rio de Janeiro, Prêmio da Música Brasileira e Clube do Choro de Brasília. Além de outros três eventos teatrais: Teatro Poeira, Festival Porto Alegre em Cena e Festival de Curitiba.

Na época, Bolsonaro usou o Twitter para justificar os cortes. “Reconheço o valor da cultura e a necessidade de incentivá-la, mas isso não deve estar a cargo de uma petrolífera estatal. A soma dos patrocínios dos últimos anos passa de R$ 3 BILHÕES. Determinei a reavaliação dos contratos. O Estado tem maiores prioridades.”

Em janeiro deste ano, a Petrobrás deixou de patrocinar o Grupo Galpão e o Grupo Corpo, esta última considerada a mais importante companhia de dança contemporânea brasileira, fundada em 1975. Reconhecendo o poder das duas marcas para a cultura brasileira, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) anunciou que substituirá a estatal petrolífera nas cotas de patrocínio.

Pós golpe

A queda abrupta de investimentos da Petrobrás começa após o golpe que retirou Dilma Rousseff (PT) da presidência da República, em agosto de 2016. Em 2015, último ano completo da petista no poder, com Aldemir Bendine no comando da estatal, o investimento em cultura foi de R$ 139 milhões.

Já em 2017, primeiro ano completo do governo de Michel Temer (MDB) e com Pedro Parente à frente da estatal, a Petrobrás investiu apenas R$ 61 milhões em cultura. Uma queda de 56% em relação a 2015, e de 15% em comparação com 2016, quando a empresa empregou R$ 71 milhões no setor.

Entre os projetos abandonados pela estatal em 2017 está o Nós do Morro, tradicional grupo de teatro do Rio de Janeiro. “Nós vínhamos de cinco anos com a Petrobrás patrocinando nossa linha de recreação e produção cultural. Quando a gente perdeu o patrocínio, tivemos que diminuir muito a nossa equipe e as atividades que vínhamos fazendo. Com isso, estamos buscando outros apoiadores. Temos recebido muito apoio de pessoas físicas, que é o que nos salvou, por isso não fechamos as portas”, afirma Tatiana Delfina, coordenadora de projetos do grupo.

Antes da perda do patrocínio, o Nós do Morro tinha 800 alunos matriculados em sua escola de teatro, responsável por formar atores como Jonathan Haagensen, Roberta Rodrigues e Mary Sheila. Hoje, somente 100 pessoas participam do curso do grupo.

“A Petrobrás ajudava com nossa criação cultural. Tínhamos uma peça por ano e a Petrobrás ainda ajudava na nossa mostra cultural de final de ano da escola, em que montávamos 18 espetáculos”, lamenta Delfina.

Contribuição histórica para o cinema nacional

O primeiro filme patrocinado pela Petrobrás foi “Carlota Joaquina”, em 1994, dirigido por Carla Camurati. A produção, que é reconhecida como a obra que marcou a retomada do cinema nacional, levou 1,2 milhão de brasileiros ao cinema e fincou o pé na história com um orçamento de apenas R$ 600 mil.

Além do filme de Camurati, outras importantes produções nacionais foram feitas com patrocínio da empresa, como “O Quatrilho” (1995), “O que é isso, companheiro?” (1897), “Cidade de Deus” (2002), “Carandiru” (2003), “Tropa de Elite” (2007) e “O som ao redor” (2018).

Outro lado

O Sindipetro-SP procurou a estatal, pedindo que comentasse a queda de investimentos em projetos culturais. Entretanto, a Petrobrás não respondeu às indagações até o fechamento desta reportagem.