“Home office não é igual para todo mundo”, alerta médica do trabalho

Uma pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA), de abril deste ano, anunciava que 46% das empresas do país optaram por liberar os trabalhadores para que exerçam seu trabalho de casa, o chamado home office.

Porém, o longo período de pandemia desmistificou o conforto do home office. Trabalhadores passaram a ter dificuldades para controlar a carga horária, com a conexão da internet, a qualidade da cadeira e até com o isolamento.

Para Márcia Bandini, médica do trabalho e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, é preciso fazer uma reflexão sobre o trabalho domiciliar. “A primeira coisa que eu coloco é isso, home office não é igual para todo mundo. O que temos visto, é uma desconstrução desse mundo maravilhoso do home office. As jornadas estão cada vez mais extensas, porque as pessoas estão com medo de perder seus empregos, mas também porque, no contexto do isolamento social, acaba existindo uma confusão entre os limites da vida profissional e da pessoal. É um tema que precisará ser regulamentado melhor.”

Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a professora falou sobre a as condições de trabalho durante a pandemia e a necessidade de se estabelecer regras para as relações que serão estabelecidas após o isolamento realizado para evitar a propagação ainda maior do coronavírus.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Algumas empresas sinalizam que o home office pode se tornar uma realidade, mesmo após a pandemia. O que a senhora pensa sobre isso?

Existem pessoas que se adaptaram muito bem ao home office, pois há condições em suas moradias para isso. Então, a adaptação fica mais fácil, em relação a outros. A primeira coisa que eu coloco é isso, home office não é igual para todo mundo. O que temos visto, é uma desconstrução desse mundo maravilhoso do home office, as jornadas estão cada vez mais extensas, porque as pessoas estão com medo de perder seus empregos, mas também porque no contexto do isolamento social, acaba existindo uma confusão entre os limites da vida profissional e pessoal. É um tema que precisará ser regulamentado melhor.

Como se estruturaram as relações de trabalho durante a pandemia?

Nossa fotografia não é a melhor possível. O que surpreendeu, quando vimos a reação do governo, foi notar um certo despreparo, o governo não estava pronto para responder à uma pandemia. Embora o mundo não esperasse a covid-19, no Brasil a pandemia chegou cerca de 3 meses após os casos que surgiram na China. Por exemplo, num contexto de pandemia, não foi o melhor momento de declarar os cabeleireiros como atividade essencial. Chegamos em um momento em que quase 60 atividades foram consideradas essenciais, isso contribuiu para um aumento no número de contaminados.

Quais setores foram mais impactos?

O setor de serviços e comércio foi o grande afetado. Tanto do lado do trabalhador, quanto do microempreendedor. Do outro lado, você tem os trabalhadores da saúde, que ficaram altamente expostos nesse cenário e, principalmente, no início da pandemia, tiveram um grau de proteção muito aquém do que era preciso.

Como a senhora viu a atuação dos sindicatos na intermediação dessas relações?

Os sindicatos estão fazendo muito pouco, mas o que é possível. As mudanças na forma de contratação, com terceirização, por exemplo, dificultaram a organização dos sindicatos. Por outro lado, temos vistos manifestações dos entregadores, que se manifestaram duas vezes no mês de julho.

Mudanças na rotina de trabalho, que foram necessárias durante o período de isolamento, serão mantidas após a pandemia?

Eu vejo um cenário de pós-pandemia muito diferente em diferentes regiões, de um estado para o outro. Temos que fazer uma análise que precisa ser adaptada às realidades locais. Os estados que se organizaram melhor durante a pandemia, terão mais facilidade de retomada da economia.

Com a perda de renda, tivemos uma sobrecarga do SUS e vamos precisar repensar o sistema. Como vamos dar conta de atender uma demanda de saúde que ficou represada, por exemplo as doenças crônicas não transmissíveis, e no pós-pandemia, que nós ainda não estamos, como vamos dar conta dessa demanda? Finalmente, é lidar com as incertezas que trazem o contexto da vacina, será que ela chega no final do ano? Quando poderemos falar de um futuro?

[Do Brasil de Fato]