Como a pandemia altera a geopolítica do petróleo? Ex-presidente da Petrobras explica

A pandemia da Covid-19 aponta para mudanças na geopolítica do petróleo. Nos EUA, pequenas e médias empresas produtoras do gás de xisto devem quebrar e o setor vai passar por uma concentração. A produção do país vai cair, ainda que menos do que o esperado. Na Arábia Saudita, a queda vertiginosa dos preços resultará num grave problema político: o Estado terá dificuldades de seguir sendo sustentado apenas pela renda petrolífera.

Essas são algumas das observações de José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, em entrevista ao site TUTAMÉIA. Ele lembra que, historicamente, “toda a vez que o preço do petróleo caiu a economia cresceu”. Isso não deve acontecer agora. “Ninguém sabe como vai ser a volta do comportamento sobre viagens internacionais, de ônibus, de carro, por navios depois da pandemia. A demanda vai atingir o ponto em que estava antes ou não? Se não, a capacidade instalada de produção de petróleo vai sofrer efeitos mais permanentes”, afirma.

Gabrielli destaca ainda que a crescente importância do ativismo contra o aquecimento global e os combustíveis fósseis é um novo elemento a ser considerado no quadro futuro. Ele trata dos meandros do mercado financeiro nas cotações do petróleo e explica como os preços do produto chegaram a ficar negativos no mercado futuro. Cita a paralisia inédita nos fluxos de petroleiros pelo mundo (alguns estão ancorados em alto mar porque não têm onde desembarcar por causa dos altos estoques) e detalha os impactos da crise pelos diversos países e na própria Opep.

“O petróleo não é uma mercadoria qualquer. É um produto estratégico que move exércitos, diplomacia, golpes, corrupção. O petróleo é fundamental, nos últimos 200 anos, para a economia mundial. Não há nada que exista no mundo ou que não tenha petróleo na sua composição ou que não tenha sido transportado pelo petróleo. O petróleo não vai deixar de ser estratégico, principalmente para o transporte. Não vejo nenhum horizonte de desaparecimento do petróleo”, afirma.

PETROBRAS NA CONTRAMÃO

Na entrevista, o ex-presidente da Petrobrás analisa os impactos da pandemia sobre o setor petróleo no Brasil. “O Pré Sal é muito produtivo. O que foi decidido lá atrás, no nosso tempo na Petrobras e que está dando resultado hoje, é a salvação da Petrobras. Os campos da cessão onerosa e o Pré Sal da bacia de Santos são as grandes jóias da coroa nesse momento”, diz.

Ele ressalta que a atual política da direção Petrobras “vai na linha contrária do que estão fazendo as grandes empresas de petróleo no mundo; elas estão aumentando a integração entre produção, refino e distribuição, aumentando participação em petroquímica, em renováveis”.

“A nova estratégia é de não querer ser mais responsável por nenhum processo de aumento da indústria brasileira na renda petroleira. A Petrobras definiu que sua meta é gerar retornos de curto prazo para os acionistas e viabilizar a redução de sua alavancagem financeira. Definiu metas financeiras. Ela vai encolher, enxugar, saindo do refino, da logística, da petroquímica, de fertilizantes, biocombustíveis, reduzindo a área de gás natural”, lamenta.

Gabrielli trata ainda dos efeitos devastadores da Lava Jato na empresa e em toda a cadeia de fornecedores da indústria nacional. Ele lembra da importância da criação, há dez anos, do marco regulatório do petróleo, dos contratos de partilha, da definição da Petrobras como operadora do Pré Sal, da preocupação com o conteúdo nacional e do fundo destinado à educação e a questões sociais. Todo um modelo que, enfatiza Gabrielli, “não interessava às empresas internacionais. Para elas, interessava desenvolver o mais rápido possível o Pré Sal, exportar o máximo possível, e não deixar benefícios aqui dentro, mas capturar esses benefícios para os países consumidores”.

A tensão, segundo ele, começou logo a partir de 2010. “Fomos bombardeados, investigados, pressionados”, conta. Gabrielli lamenta que toda essa política que incomodava as grandes empresas petrolíferas estrangeiras agora está desestruturada. A Petrobras diminuiu seu papel estratégico para o desenvolvimento nacional, optando por uma visão de curto prazo.

Durante a entrevista ao site TUTAMEIA, os entrevistadores e Gabrielli foram surpreendidos pelo pedido de demissão do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. “É uma crise por dentro do governo. O governo tem que sair. Temos que viabilizar a saída de Bolsonaro. A manutenção dele é criminosa. Não podemos manter esse homem na direção do país”, afirma.

Veja a íntegra da entrevista:

[Com informações do site TUTAMEIA]