“Brasil não deveria abster-se de tomar decisões ousadas”, afirma economista

Professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann defende que as saídas de curto prazo, baseadas na austeridade, não tendem a surtir efeitos benéficos ao país.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista análisa a conjuntura mundial e apresenta suas hipóteses para a superação da crise econômica: “alguns países que conseguem responsavelmente ousar política e economicamente saem, em geral, muito melhor do que entraram na crise de dimensão global, enquanto outros se acomodam e assumem o caminho da decadência prolongada”.

Confira a entrevista:

Qual é o cenário que você visualiza da situação da crise econômica internacional?

Quase oito anos após o seu começo, a crise capitalista de dimensão global segue sem saída à vista. Ao que parece, avizinha-se uma quarta onda de sua manifestação, após a primeira ocorrida nos anos de 2008 e 2009 a partir dos EUA, a segunda verificada como centro a Europa entre os anos de 2011 e 2012 e a terceira em vários países como a Rússia, Brasil e China desde 2014.

A recente elevação na taxa de juros nos EUA tende a acelerar os problemas nos mercados especulativos, com fortes oscilações nas bolsas de valores e os mercados financeiros em várias partes do mundo. A queda nos preços das commodities, por sua vez, problematiza ainda mais a situação das economias cujo dinamismo econômico depende do comércio externo.

Nestas circunstâncias, conforme experiência histórica, alguns países que conseguem responsavelmente ousar política e economicamente saem, em geral, muito melhor do que entraram na crise de dimensão global, enquanto outros se acomodam e assumem o caminho da decadência prolongada.

E quais suas consequências para economia brasileira, já que recentemente os grandes capitalistas do mundo anunciaram, em Davos, a quarta revolução industrial, e que ela trará como consequência o desemprego de mais de 60 milhões de trabalhadores operários industriais?

O tema revolução tecnológica tem sido recorrentemente apresentado como a superação dos problemas do capitalismo. Acontece que, diferentemente das revoluções tecnológicas anteriores, a atual não tem significado a implementação de novos complexos modernos que se agregam a estrutura produtiva dada.

Pelo contrário, o que se tem verificado mesmo é a internalização do progresso técnico nos setores econômicos já existentes, o que contribui muito mais para a conformação de grandes monopólios econômicos que racionalizam o sistema produtivo pelas cadeias globais de valor do que o esperado salto nos ganhos de produtividade.

A perspectiva da estagnação secular parece se confirmar cada vez mais que se analisa o comportamento do capitalismo, sobretudo nas nações ricas.

Frente a isso, o Brasil não deveria abster-se de tomar decisões ousadas, ainda que difíceis, pois a conseqüência de perseguir os caminhos de menor resistência tende a ser a conhecida semi-estagnação da renda por habitante, conforme observado nos últimos 35 anos.

A economia brasileira está em crise, em situação, tecnicamente, de recessão. E os economistas ainda fazem previsões de uma queda do PIB para esse ano, e quiçá mais nos outros anos. Quais seriam as medidas necessárias por parte da politica econômica, para tentar reverter o quadro e ajudar a economia brasileira voltar a crescer – e, pelo menos, proteger o emprego?

A economia brasileira segue prisioneira do ‘curtoprazismo’. Não há no horizonte sequer um programa de orientação ao desenvolvimento para os próximos anos. A política de austeridade fiscal se transformou no fim em si mesmo. Não é mais o “cachorro que abana o rabo, mas o contrário, ou seja, sem crescimento da economia, qualquer ajuste de tipo fiscal exigirá custos crescentes tanto em termos de retrocesso no setor produtivo como de sofrimento do conjunto da classe trabalhadora.

Do ponto de vista da esquerda, o Brasil precisa de um programa econômico de transição, que aponte para a retomada do crescimento a partir do abandono gradual da política econômica do Plano Real. Isso porque há um esgotamento inequívoco do tripé macroeconômico de juros flutuantes, metas de inflação e superávit primário. Desta cartola não sairá mais coelho.

Lula tem defendido que poderíamos repatriar parte dos 385 bilhões de dólares das reservas cambiais depositadas nos Estados Unidos e fazer aplicações na construção de moradia popular para ativar a construção civil, no saneamento da Petrobras, que tem diversas obras contratadas, paradas. E em obras de infraestrutura social das grandes cidades. Você acha viável essas medidas, a curto prazo?

Está é, junto com outras modalidades de política econômica, possível de ser adotada. Mas como dizia – com propriedade – Celso Furtado, o Brasil segue sendo um País das grandes oportunidades, porém perdidas.

Diante da gravíssima recessão a qual o Brasil se encontra, a peça fundamental de saída é a ampliação do nível da renda nacional, seja pelo crédito, seja pelo gasto público, seja pelo ingresso de recursos externos. Do contrário, a contração seguirá solta, uma vez que pela prevalência da lógica da austeridade fiscal, o setor público funciona com o mesmo procedimento de uma família, encolhendo gastos e desestimulando o nível de atividade.

Desde a década de 1930 que se sabe que o Estado deve arrecadar mais do que gasta na fase de auge da economia e o contrário na crise. 

Por que você afirma que esta crise econômica pela qual o Brasil passa poderá se tornar a maior desde a década de 30? 

Desde a grande Depressão de 1929 que o Brasil passou por duas recessões significativas. A primeira nos anos de 1981 e 1983, com leve recuperação em 1982, visou gerar grandes excedentes comerciais para pagar o serviço da dívida externa através da substituição do dinamismo interno pelo do mercado externo. Uma frustração geral.

A segunda recessão que transcorreu nos anos de 1990 e 1992, com breve recuperação em 1991, focou a inserção da economia brasileira na globalização financeira. Outra frustração que tornou mais dependente o País, subordinado e passivo ao grande jogo global. Ademais, enquanto na primeira recessão a indústria respondia por 1/3 da economia nacional, na segunda era menos de ¼ do PIB.

Nesta terceira recessão, a indústria representa menos de 1/10 do PIB e, além da preocupação do ajuste fiscal, pouco se sabe qual o objetivo de longo prazo da recessão atual. Além disso, a recessão verificada em 2015 deverá se manter no ano de 2016, o que pode significar a queda acumulada do PIB ao redor dos 8%, somente comparável à Depressão de 1929. Mas naquela época o Brasil tinha outra economia, bem menos complexa que atual e sem qualquer tipo de comparação possível com o sistema de proteção social.

O que levou a desindustrialização da economia brasileira e como revertê-la?

O emagrecimento da indústria no Brasil se deve a duas causas principais. A primeira associada à dominância financeira evidenciada nas altas taxas de juros que tornam imbatível qualquer ganho pelo setor produtivo, pelo menos o legal.

A segunda causa deriva da política de valorização cambial, capaz de desestimular a atividade econômica interna frente às condições não isonômicas de produção com o exterior. Dessa forma, a burguesia industrial foi gradualmente se transformando em comercial, comprando barato lá fora para vender o mais caro possível internamente.

Taxas de juros elevadas e moeda valorizada são heranças do Plano Real que se mantiveram ao longo do tempo devido à política de aliança conciliatória que buscou pelo crescimento econômico tornar todos ganhadores. Com a contração da economia, a aliança política se desmorona, tornando a governabilidade ainda mais frágil.

Fonte: Brasil de Fato