“Não se pode confundir a ação de pessoas dentro da Petrobrás com a empresa e seus funcionários”, afirma ex presidente da Petrobrás

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Entrevista originalmente publicada no Jornal do Sindipetro Unificado de São Paulo

José Sérgio Gabrielli esteve à frente da Presidência da Petrobrás por sete anos, de 2005 até 13 de fevereiro de 2012, quando passou o cargo para Graça Foster. Isso não o livrou de estar no olho do furacão das denúncias envolvendo a Petrobrás na Operação Lava Jato, e,  principalmente, no controverso episódio da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.  “Há uma contabilidade política e não técnica”, sustenta Gabrielli sobre o caso.

Nesta entrevista concedida ao jornalista Norian Segatto, em São Paulo, em 9 de fevereiro, acentua-se o lado do professor universitário baiano. Gabrielli retira a gravata utilizada no compromisso anterior, se ajeita na cadeira e fala pausada e didaticamente sem escapar de nenhuma questão e sustentando que não se pode confundir a ação de pessoas dentro da Petrobrás com a empresa e seus funcionários. Confira. 

Qual o significado e importância da eleição do representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobrás.

Gabrielli – É muito importante a participação de um representante dos trabalhadores. O Conselho tem dez membros, a maior parte é de conselheiros de fora da empresa, o Deyvid vai representar a visão de quem está dentro da empresa, do trabalhador. No Conselho há temas que são mais corporativos e não apenas da relação capital trabalho e ele terá papel importante, particularmente com a nova diretoria, que também vai ter uma fase de adaptação.

A empresa tem sido afetada em sua imagem, mais do que nos resultados. Como isso afeta sua importância estratégica para o país?

Gabrielli – Essa é uma questão muito importante. A imagem da Petrobrás está sendo afetada porque há uma confusão entre fenômenos que são reais com ilações, suposições e interpretações de um clima que não é real. Os atos de corrupção confessados pelo Paulo Roberto e pelo Barusco [Pedro] são circunscritos a alguns episódios, são atos graves, mas relativamente pequenos diante do volume de negócios da Petrobrás. Esses atos precisam ser combatidos, mas não se pode confundir atos criminosos com o comportamento da empresa. Nos últimos dez, quinze anos a empresa saiu de uma situação em que estava fracionada, sendo preparada para ser vendida, que valia 15 bilhões de dólares no mercado para se transformar em uma empresa que chegou a valer 380 bilhões e hoje vale cerca de 50, 60 bilhões de dólares, ainda quatro vezes mais do que valia em 2002. Nesse período a empresa saiu de 33 mil empregados para 80 mil, descobriu o pré-sal, se transformou na maior empresa do mundo em águas profundas, é maior produtora de energia elétrica e partir do gás do país, saiu de um investimento de 5 bilhões de dólares ano para 45 bilhões (para 2015 estão previstos 33 bilhões).

A empresa tem condição praticamente única no mundo, porque tem reservas de mais de 20 bilhões de barris, capacidade de produzir, grande mercado doméstico, na ordem de 2,3 milhões de barris por dia de consumo. Essa fortaleza que é a Petrobrás está sendo confundida com o comportamento criminoso de algumas pessoas. Acho que temos de dizer isso para a sociedade, os casos criminais são tratados pela polícia e justiça, os casos de gestão são tratados pela companhia, não podem tratar as duas coisas como se fossem juntas.

Mas como uma empresa como a Petrobrás, com tantos controles, deixa um caso desses, mesmo que seja pontual,  acontecer durante tanto tempo sem alguém pegar?

Gabrielli – Os controles da Petrobrás foram adaptados, em 2006, para a lei americana Sarbanes-Oxley, criada para enfrentar casos da Enron. Essa lei exige um conjunto de controles para que o balanço seja publicado. A Petrobrás foi certificada de 2006 a 2011 pela KPMG, e em 2012 e 2013 pela Price (Waterhousecoopers). Em 2014, com a denúncia de Paulo Roberto, a Price recuou. A Petrobrás tem certificações das principais auditoras do mundo atestando que tudo estava sendo controlado. Depois das denúncias, a empresa contratou dois escritórios internacionais, tem centenas de funcionários trabalhando para checar o assunto, tem investigação da polícia federal, do Ministério Público e não se consegue chegar a conclusões. Como é que em uma operação normal ia se descobrir? É muito difícil que de dentro da Petrobrás se visse isso e que seja mensurado contabilmente.

A crise na Petrobrás gera, por extensão, crise em vários setores, com demissões. Isso pode levar o país a uma situação complicada do ponto de vista econômico?

Gabrielli – Esse é um grande perigo. As principais empresas de construção pesada, que constroem a infraestrutura do pais, estão arroladas na operação Lava Jato. Se essas empresas começarem a enfrentar problemas mais graves, vão parar de funcionar, haverá uma onda de desemprego que vai se espalhar para metalurgia, para a indústria naval etc.

Já começou.

Gabrielli –Isso pode levar a um grave problema de redução da atividade econômica em 2015 e tem efeitos de médio e longo prazos. O pré-sal é um volume muito grande de produção, há o risco da chamada doença holandesa, ou seja, o país tira toda sua renda do petróleo,  não cria nada depois e fica dependente do petróleo. Uma das maneiras de evitar isso é criar uma indústria nacional. O tamanho do pré-sal exige uma indústria nacional que seja capaz de prover bens, equipamentos e serviços, criando emprego e renda para o conjunto da atividade econômica. Se essas empreiteiras entrarem em crise, a política de conteúdo nacional vai ter que ser modificada, terá que se buscar no exterior, gerando emprego e renda fora do país. 

O atual cenário de queda no preço do petróleo ajuda ou atrapalha a Petrobrás?

Gabrielli – O preço do petróleo está caindo por uma mudança muito importante no mercado mundial. De 1973 a 2013, o ajuste do preço do petróleo dependia fortemente da Arábia Saudita, que fazia o ajuste no mercado com sua própria produção. Em 2013 a Arábia Saudita decidiu não fazer isso por duas razões. Primeiro, porque os Estados Unidos estavam se tornando auto suficiente na produção de gás e aumentando muito rapidamente a produção de petróleo leve, o que  tornaria a Arábia Saudita mais vulnerável à pressão norte americana. Por outro lado, há um fenômeno de geopolítica dos Estados Unidos contra o Irã, a Venezuela e a Rússia, que leva à queda do preço do petróleo.

Onde isso vai parar?

Gabrielli – O que vai barrar a queda do preço é a paralisação do crescimento da produção norte americana de shale gas (gás de xisto) e date oil e isso já começou. Por outro lado existem três novas áreas de expansão da produção mundial: o pré-sal brasileiro, o petróleo ultra pesado da Venezuela e o das areias betuminosas do Canadá. Esses dois só se sustentam com o preço do barril acima de 70 dólares, o pré-sal resiste acima de 40 dólares. Se o preço ficar na faixa de 50, 60 dólares o barril, o pré-sal é viável, mas torna inviável esses novos produtores. O mercado do petróleo está geopolitacamente motivado, ganha quem está integrado com refino e produção porque a tendência é que os preços dos derivados não caiam tanto quando o petróleo. Quem produz derivados, como a Petrobrás, vai ter margem.

Na sua gestão havia um plano de investimento ousado por conta do pré-sal, que está sendo revisto para baixo. Foi um erro no sistema de partilha deixar a Petrobrás como operadora única?

Gabrielli – Acho que são coisas diferentes. Todo ano a Petrobrás faz uma avaliação dos cinco anos seguintes e os planos apresentados levavam em conta a descoberta do pré-sal, a necessidade de investir pesadamente, mas com conteúdo nacional. Com o crescimento do mercado de derivados foi necessário reformular os investimentos no refino, e criar novas refinarias para viabilizar a expansão. Esse conjunto de investimento está hoje sob nova avaliação. Pelo que se está sendo anunciado pela Petrobrás, o pré-sal está preservado, mas vai haver redução do investimento no refino.

Neste caso, manter a Petrobrás como operadora única é importante?

Gabrielli – Acho que sim, no sistema de partilha, a Petrobrás como operadora única com 30% é a garantia que vai desempenhar papel chave nas novas áreas do pré-sal. Se o governo brasileiro resolver acelerar o processo das novas áreas a Petrobrás não terá condições, mas o ritmo de abertura de novas áreas vai ser determinado pela capacidade da indústria brasileira de fornecimento crescer. É o conteúdo nacional que está em jogo.

Corre na Petrobrás informações de que vai haver parcerias no refino e esse modelo preocupa muito o movimento sindical.

Gabrielli– Não acredito que seja viável o modelo estilo consórcio de exploração para o refino brasileiro, nenhum grande grupo vai entrar para ser sócio no refino, porque a Petrobrás controla o mercado de derivados. Refino é um investimento de longo prazo, cuja margem flutua muito. Vale a pena investir no refino quem é produtor de petróleo, porque a margem compensa quando o preço do petróleo cai. Se você está nas duas pontas, há um equilíbrio, mas se só está no refino fica muito vulnerável, então não acredito que seja possível ter sócios de refino no Brasil.

A Petrobrás é uma empresa pública, com grande parcela de capital privado, com ações na Bolsa de Nova Iorque, e com um comando que é parte do governo, parte privado. Isso gera uma crise de identidade na empresa?

Gabrielli– Sempre defendi que havia certa convergência de interesses entre os acionistas minoritários e o governo. Todos querem aumentar a lucratividade da Petrobrás. Do ponto de vista da política de preço de derivados de gasolina e do diesel pode haver uma contradição no curto prazo, porque não interessaria fazer o preço da gasolina variar como ocorre no mercado internacional; por outro lado, manter o preço da gasolina por muito tempo desconectado do internacional é um problema. Distribuir dividendos ou investir, às vezes também tem contradição, mas o investidor da indústria do petróleo não é de curto prazo. O investidor que entrou na bolsa para ganhar de um dia para outro não investiu na empresa de petróleo, investiu em um papel que tem grande flutuação e isso é um paraíso para o especulador.

George Soros que o diga…

Gabrielli – Não vou citar nomes (rindo).

Voltando à questão da partilha. Essa onda de denúncia tem componentes políticos, e têm setores propagando que o modelo de concessão era melhor para o país. Qual é a sua opinião?

Gabrielli – O PSDB está dizendo que tem de voltar ao sistema de concessão. Acho que há um erro fundamental nessa posição. O sistema de concessão pode até ser eficiente quando se tem alto risco exploratório, não se sabe se tem petróleo ou não, onde há investimento de risco. Isso não se aplica para o caso do pré-sal, o investidor tem quase certeza que vai achar petróleo. Eu defendo a partilha como o melhor modelo para o caso de áreas em que não há risco exploratório como é o caso do pré-sal.

Até onde existe espionagem industrial contra a Petrobrás?

Gabrielli – É possível que haja espionagem, hoje vivemos um problema muito sério que é fato de que os computadores e celulares dos gerentes de primeira linha estão copiados nas mãos de dois escritórios norte-americanos. Isso para mim é um problema muito grave.

Quantos gerentes foram atingidos com essa medida?

Gabrielli – Cerca de 3 mil.

Ou seja, os dados de todos os HDs de três mil altos funcionários da Petrobrás estão nas mãos de uma empresa norte-americana?

Gabrielli – Sim, o que é preocupante.

Qual foi o momento mais tenso da sua gestão?

Gabrielli – Houve vários momentos tensos, mas acho que a decisão de informar o governo brasileiro da descoberta do pré-sal e propor que se repensasse a estratégia foi muito importante. Outro foi o processo da capitalização da Petrobrás. Fizemos em 2010 uma operação de venda de ações em que aumentamos a presença do governo na Petrobrás, capturamos recursos do mercado financeiro, fizemos a maior capitalização de uma empresa da história do mundo e conversamos com alguns milhares de grandes fundos investidores mundialmente para mostrar o que era o pré-sal brasileiro. Fizemos isso com trinta principais bancos do mundo.

O movimento sindical te enchia muito o saco?

Gabrielli– Não, (rindo), mantive um diálogo permanente com o movimento sindical, houve momentos de contradição e conflitos, o que é normal na relação capital trabalho, mas sempre havia uma porta aberta. Um momento de muita tensão foi na repactuação do plano Petros, que foi um elemento importante para dar estabilidade de médio e longo prazo ao plano, se não fosse feito aquilo aposentados e pensionistas estariam em uma situação muito difícil.

Houve o resgate de diversos direitos que haviam sido suprimidos no governo anterior.

Gabrielli – Do ponto de vista dos benefícios para os trabalhadores acho que fizemos bons acordos coletivos. Sempre dizia que era bom o trabalhador olhar sua declaração de imposto de renda de 2003 para comparar com hoje. Além do ganho real tivemos um aumento no contingente, 50% dos trabalhadores da Petrobrás têm menos de 10 anos de companhia; acredito que no período em que estive na gestão houve uma intensificação do orgulho de ser petroleiro.

E como se resgata esse orgulho diante de tantas denúncias?

Gabrielli – Como disse tem que separar o que é criminal do que é empresarial. Não se pode confundir o que foi o comportamento de alguns criminosos com o da categoria ou da empresa. Se não conseguir separar isso vai ser muito difícil, fica a imagem que a Petrobrás é um mar de lama, todo mundo é corrupto, isso é um absurdo, é um desrespeito a uma empresa fantástica, que tem um quadro de funcionários extraordinário, que tem capacidade de gestão.