O Secretário de Relações Internacionais da CUT fala sobre o risco que o leilão de Libra oferece à soberania nacional

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Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, secretário de relações internacionais da CUT avalia a conjuntura o lançamento da sua candidatura à presidência da Confederação Sindical Internacional (CSI)

Ao permitir que as multinacionais se apropriem do petróleo brasileiro, o governo coloca em risco não só a soberania, como o próprio desenvolvimento do Brasil. Essa é opinião do secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ex-presidente da central por duas gestões, João Antonio Felício. Segundo ele, as empresas multinacionais do petróleo, além de exportar tudo o que produzem, não geram empregos aqui, nem movimentam a indústria nacional, como faz a Petrobras. João Felício será candidato à presidência da Confederação Sindical Internacional (CSI) no Congresso de 2014, em Berlim. A cada mandato, o líder da CSI é indicado por um continente. No próximo, é a vez das Américas. Nesta entrevista ao Brasil de Fato, ele analisa a atual conjuntura mundial, enfocando principalmente o mundo do trabalho e sobre questões importantes da conjuntura do país e a luta do movimento sindical brasileiro.

 

Qual o objetivo da sua candidatura à CSI?

A CSI tem se destacado na luta pela taxação do sistema financeiro e por profundas mudanças nos organismos internacionais com vistas à valorização do mundo do trabalho, por direitos, salários e empregos decentes. Com 175 milhões de sócios em 153 países dos cinco continentes, a Confederação Sindical Internacional (CSI) é a principal organização dos trabalhadores a nível mundial, desenvolvendo grande quantidade de ações em defesa dos direitos da classe, da liberdade e da autonomia sindical, e também lutas por direitos humanos como é a pelo reconhecimento do Estado palestino. Temos dezenas de centrais parceiras históricas da CUT integrando a CSI, acreditando que ela tem papel chave no enfrentamento ao acúmulo de riqueza e à concentração do capital. Quero ajudar a CSI a ampliar cada vez mais a sua pluralidade e representatividade, com um sindicalismo democrático, combativo e de base, que avance nas relações Norte-Sul e Sul-Sul.

 

A luta contra a financeirização é internacional.

Há uma constatação de que a crise é um momento de agudização da luta de classes, que hoje se expressa entre os interesses de poderosos conglomerados financeiros, que potencializam seus lucros com a especulação ao avançarem sobre os ganhos de todos os demais. Com a força que dispõem, acabaram cooptando o Estado, que representa na maior parte dos países os interesses de uma pequena elite. Em outros, como é o caso da Venezuela, da Bolívia e do Brasil, há governos democráticos e populares que desenvolvem alianças com os movimentos social e sindical, além dos empresários, o que abre espaço para fazermos a necessária disputa política, garantindo melhores possibilidades de vitória.

Já no velho Continente a situação está bem mais complicada…

Os países europeus foram capturados pela lógica financista. Apesar de toda a resistência e da grande luta, a Europa hoje é governada pelos interesses do setor financeiro, que capturaram e privatizaram o Estado. Assim, países como a Espanha, a Grécia e a Itália exibem índices fenomenais de desemprego, de arrocho salarial e de corte de direitos. É uma receita neoliberal que já se demonstrou fracassada, que vai na contramão do interesse dos nossos países e povos.

Neste momento, qual a sua avaliação sobre a postura do sindicalismo brasileiro?

A CUT participou das eleições de Lula e de Dilma, mas jamais abriu mão de seu projeto. Se uma parte dos empresários quer aprovar o PL 4330, que consideramos escravocrata, pois oficializa a terceirização que precariza; ou o projeto de lei das pequenas e médias empresas, que flexibiliza direitos, nós levantamos a voz e dizemos claramente para o governo e para o parlamento que não há acordo. Nunca nos neutralizamos pelas alianças. Somos guiados pelos compromissos com a soberania nacional e o desenvolvimento sustentável e inclusivo. A conquista da política de valorização do salário mínimo, o reconhecimento das empregadas domésticas com garantia de emprego formal e as conferências para consolidar o diálogo social são exemplos disso. Nos pontos que avançaram quase nada ou muito pouco, como a questão da reforma agrária, temos cobrado que o governo seja mais ousado, da mesma forma que em relação às reformas tributária, política e dos meios de comunicação. Entre as muitas questões que merecem atenção emergencial está o combate ao elevado superávit primário e a defesa da saúde pública, que necessita hoje dos R$ 50 bilhões que foram surrupiados com o fim da CPMF. Vale lembrar que a CPMF era um imposto justíssimo sobre a movimentação financeira, que dava mais transparência inclusive para o setor.

 

Como está o movimento dos trabalhadores na América Latina?

Houve uma mudança grande nos últimos anos, onde a Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA) vem tendo uma posição marcadamente de esquerda, consolidando cada vez mais sua projeção de luta para virar o jogo em defesa dos interesses da classe. Em que pese o avanço representado pela eleição de governos democráticos e populares, vivemos num continente profundamente excludente, com ausência de diálogo social, o que afeta os direitos humanos. Por isso a CSA prioriza entre os seus eixos de atuação o desenvolvimento sustentável; trabalho decente e liberdade sindical; paz, democracia participativa e direitos humanos; e a auto-reforma e a unidade sindical. A CSA tem se destacado na solidariedade aos trabalhadores da Guatemala, Honduras e Colômbia, vítimas de uma perseguição fascista materializada nos mais baixos índices de sindicalização; condenou o golpe no Paraguai e está solidária ao povo cubano na sua luta contra o criminoso bloqueio.

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul representam juntos mais de 40% da população mundial. Como está a atuação do sindicalismo nesta nova frente?

Não só pela sua dimensão atual, mas por tudo o que significa para o futuro, compreendemos que a união das centrais sindicais dos BRICS é algo estratégico para a luta internacional dos trabalhadores. Os governos têm trocado experiências comerciais com reflexos positivos, vêm tratando da construção deste novo espaço de disputa pela busca de hegemonia de uma forma positiva. No entanto, são passos de um espaço meramente comercial, que carece de ausência de participação popular. Em dezembro de 2012, realizamos o primeiro Fórum do BRIC sindical, altamente positivo, pois foi realizado um debate unitário. Ali vieram à tona problemas parecidos, como o papel das multinacionais, a dificuldade da negociação coletiva e a luta pela garantia de direitos sociais. Embora haja uma simpatia do governo brasileiro para essa questão, há uma dificuldade para convencer os demais para a relevância da ação conjunta.

E como vês a ação dos grandes conglomerados de comunicação?

É de conhecimento dos movimentos sociais e sindicais o papel nocivo que a grande imprensa, repercutindo as posições das elites apoiadas pelo imperialismo, tem cumprido contra a própria democracia. É uma mídia que reflete a aliança entre parcelas conservadoras do empresariado e as forças externas para retroceder, sempre que for possível. Por isso quando há governos bem sucedidos, que apostam na distribuição de renda, em diminuir a pobreza e afirmar um projeto nacional de desenvolvimento inclusivo, esses meios de comunicação atuam como partido para desqualificar e desprezar. Defendem reformas para concentrar renda. Quando estão vigentes medidas para colocar recursos nas áreas sociais, como a CPMF, que era uma contribuição sobre movimentação financeira que injetava dinheiro na saúde, eles fazem campanha contra. Precisamos lutar pela liberdade de expressão para todos e não para meia dúzia de donos de jornais e revistas ou concessionários de rádio e televisão. A atuação do Estado deve ser a de procurar democratizar, sempre e mais. Infelizmente o que temos hoje é uma mídia censurada pelos interesses de uma ínfima minoria. Para a democratização, também defendo uma distribuição mais plural das verbas publicitárias, para que o Estado promova a diversidade. Causa perplexidade vermos páginas e mais páginas de publicidade governamental do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal em publicações que propagandeiam retrocessos e ver a mídia alternativa à míngua. É um contrassenso. Por isso considero fundamental a campanha Para Expressar a Liberdade, defendida pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Entre os muitos temas invisibilizados por essa velha mídia está a luta das centrais sindicais pela redução da jornada de trabalho. Qual a relevância desta medida?

Está provado que a redução da jornada garantirá mais tempo para os trabalhadores e suas famílias. A Humanidade caminha para uma sociedade mais justa e isso significa maior tempo livre, mais felicidade. Teremos mais qualidade de vida com o trabalhador podendo usufruir dos bens culturais à sua disposição, do esporte e do lazer. Hoje parece loucura só o fato de lembrar que tínhamos jornadas de trabalho de 60 a 70 horas no século passado. No caso do Brasil, na Constituição de 1988 reduzimos a jornada de 48 para 44 horas. Agora, segundo o Dieese, a redução para 40 horas sem redução de salário poderá gerar até 2,1 milhão de novos empregos e com um custo adicional baixíssimo para as empresas. Custos que seriam logo compensados pelo impacto positivo que teria na economia. Além de tudo, é uma questão de justiça.

Temos na pauta do Congresso Nacional o Projeto de Lei 4330 que, entre outras medidas, permite a terceirização da atividade-fim. Qual a sua análise sobre esse PL?

Eu diria que a resposta contra o PL 4330, que é um projeto essencialmente escravocrata, dialoga com a necessidade da reforma política. No fundo é o seguinte: temos deputados e senadores vinculados a empresas, que são as grandes financiadoras da campanha e como tal agora cobram contrapartidas. Daí a pressão para retirar direitos e reduzir salários, o que é um completo absurdo, pois jogaria água no moinho da recessão, enquanto precisamos é de mais empregos, salários e direitos para o país e suas empresas crescerem. Precisamos regulamentar a terceirização, não espraiá-la para o conjunto da economia. Se fosse aprovado tal PL, em pouco tempo não teríamos mais trabalhadores vinculados às empresas “mãe”, mas a terceirizadas que, conforme estudo do Dieese, pagam salário 27% menor que o contratado diretamente, com jornada semanal de três horas a mais. Além disso, na terceirizada o trabalhador permanece 2,6 anos a menos no emprego, sua rotatividade é mais do que o dobro (44,9% contra 22%), sendo o cenário de oito a cada dez acidentes de trabalho.

O governo brasileiro anunciou para o final de outubro o leilão do campo de petróleo de Libra, no pré-sal. Qual a sua posição?

Defendo a imediata suspensão do leilão do campo de Libra, pois o que está em jogo é a soberania nacional sobre o maior poço já descoberto pela Petrobrás. Compartilho totalmente com a posição da Federação Única dos Petroleiros. A FUP tem alertado que ao permitir que as multinacionais se apropriem do petróleo brasileiro, o governo coloca em risco não só a soberania, como o próprio desenvolvimento do Brasil. Afinal, as empresas multinacionais do petróleo, além de exportar tudo o que produzem, não geram empregos aqui, nem movimentam a indústria nacional, como faz a Petrobrás. A encomenda de navios é exemplo disso: dos 62 navios feitos pela indústria de petróleo, 59 são da Petrobrás e três da PDVSA (estatal venezuelana). Some-se a isso o fato de que a privatização do petróleo é praticamente um sinônimo para a terceirização do trabalho, pois são empresas que não contratam trabalhadores próprios, para maximizar lucros. Também acho que deveríamos respeitar a posição do companheiro Guilherme Estrella, diretor de exploração e produção da Petrobrás durante o governo Lula e responsável pela descoberta do pré-sal: “são 10 bilhões de barris de petróleo já descobertos, é muito óleo. A nossa posição de reserva com o pré-sal é muito confortável pelos próximos 20 anos. Por que vai abrir Libra para a participação de empresas estrangeiras e interesses estrangeiros?”.