O diretor da FUP fala sobre a urgência de uma nova legislação para o setor petróleo


Os petroleiros aprovaram em seu último Congresso Nacional (o XIV Confup, realizado entre 01 e 03 de agosto) que o principal eixo de luta da categoria é garantir o controle estatal sobre as reservas de petróleo e gás, para que as riquezas do pré-sal sejam utilizadas prioritariamente em benefício do povo brasileiro. Para isso, a FUP e seus sindicatos estão articulando uma grande campanha nacional, envolvendo nesta luta as demais categorias, centrais sindicais, movimentos sociais, estudantes, intelectuais, parlamentares e diversos outros setores da sociedade civil organizada. Os sindicatos filiados à FUP estão implementando comitês regionais que irão organizar ações conjuntas com estas entidades, realizando seminários, audiências públicas, debates em escolas e universidade, entre outras atividades. O objetivo é ampliar a luta pelo controle estatal e social sobre as reservas do pré-sal, envolvendo os municípios e estados do país numa campanha nacional. José Divanilton Pereira é um dos diretores da FUP que está responsável pela articulação deste movimento. Na entrevista abaixo, ele fala sobre a importância da população participar deste debate e da urgência de uma nova legislação para o setor petróleo. 

As reservas de petróleo do pré-sal podem significar mudanças estruturais para o país. Qual a dimensão desta questão para o povo brasileiro? 

A descoberta do pré-sal permite visualizarmos uma nova realidade para o país. A riqueza ali existente, ainda não completamente dimensionada, poderá reinserir o Brasil, de uma forma diferenciada, no mundo globalizado. Considerando a magnitude da descoberta e o impacto incidente em nossos níveis de desenvolvimento, arrisco dizer que a história econômica e social do país poderá ser dividida em antes e depois do pré-sal. Assim, dependendo das decisões que tomarmos hoje, quanto ao tipo de desenvolvimento que queremos para o nosso país, teremos amplas condições de corrigir a difícil situação social do nosso povo.

Particularmente, considero que a exploração dessa riqueza deva estar concatenada com uma política industrial nacional, capaz de recuperar a capacidade da produção brasileira e, inclusive, impulsionar também o nosso desenvolvimento científico e tecnológico. A geração de empregos será uma conseqüência inevitável e um ótimo cenário para a classe trabalhadora.

Dessa forma, em razão de tudo isso, não é por acaso que o país começa a refletir e a debater sobre as questões relacionadas ao pré-sal. Quem deverá explorar essas riquezas? Como elas devem ser exploradas? A quem ela deve pertencer e para quem os resultados devem ser direcionados?

Esses e outros questionamentos são respondidos pela legislação que normatiza a atividade petrolífera no Brasil. Por isso, para nós, o aspecto central e estratégico desse debate está na definição do marco regulatório. 

É fundamental, então, alteramos a legislação do setor petróleo… 

Sem dúvida. É através do marco regulatório que poderemos garantir a posse e a exploração dessa riqueza, em nome dos interesses nacionais, atendendo às necessidades de desenvolvimento econômico e social do povo brasileiro. Com esse instrumento, e também com o amparo de instituições do Estado Nacional, também poderemos evitar a dilapidação desse patrimônio pela sanha da elite rentista nacional e internacional.

Dessa forma, as opções postas em debate no processo de regulamentação desse marco regulatório têm significado estratégico. Expressam o tipo de desenvolvimento que se pretende para o país e, por isso, nós, trabalhadores brasileiros, não poderemos ficar alheios. Não abriremos mão em defender o pertencimento dessa riqueza em favor nosso povo. E, em particular, nós petroleiros, disputaremos em todas as instâncias essa nossa convicção. Portanto, a nova legislação em construção precisa obedecer essa premissa de pertencimento, condição que a atual, criada pelo tucanato neoliberal, não assegura. 

Que riscos o Brasil corre se for mantida a atual legislação como o marco que regulamentará a produção do pré-sal? 

Antes mesmo do pré-sal, o Brasil sofreu enormes riscos em função do modelo de concessão existente. É tão verdadeiro isso que se estima algo em torno de 25% das reservas provadas do pré-sal da Bacia de Santos como pertencentes a empresas estrangeiras. Essa condição, “adquirida” através dos leilões já realizados, tenta se sustentar com base no marco regulatório atual, que prevê a propriedade do petróleo a quem descobri-lo.

Imaginem, então, se o modelo atual servir de base para regulamentar todo o pré-sal brasileiro!  A permanência dessa legislação constituiria um crime de lesa-pátria imensurável.  Uma desnacionalização irrecuperável.

Por isso, consideramos acertada a decisão do governo de retirar essas reservas do processo das concessões sob a regra atual. O desafio agora é avançar e garantirmos uma nova legislação, alicerçada no interesse nacional, constituída a partir de premissas que dêem ao povo brasileiro a segurança de que a sua descoberta energética será explorada, desenvolvida e destinada às suas necessidades básicas e estruturantes. 

As propostas de criação de um fundo soberano e de uma nova estatal podem contribuir neste sentido? 

Em relação ao fundo soberano, ele é um instrumento importante. A sua constituição deve abrigar reservas que serão capazes de proporcionar políticas públicas, como saúde e educação, além de dar sustentação a uma política macroeconômica desenvolvimentista. Ou seja, tornar o país menos refém de políticas contracionistas, como a que é imposta hoje pelo Banco Central. Em relação à proposta em debate, de criação de uma nova estatal, é preciso conhecer a integralidade do marco regulatório sobre a qual as empresas deverão atuar para que possamos avaliar melhor a idéia. 

A idéia de uma nova estatal pode colocar em risco ou enfraquecer a Petrobrás?

Desde a sua fundação, desenvolvimento e a sua consolidação atual, a Petrobrás sempre foi alvo de tentativas de desestabilização. Só mais recentemente, durante o governo Lula, o seu papel de indutora da economia nacional tem sido resgatado. Portanto essa é uma disputa permanente.

Quanto a uma possível nova empresa, penso que não devamos reduzir esse debate contrapondo-se simplesmente essa possibilidade versus a Petrobrás. Quem assim o faz, sobretudo a grande mídia brasileira, não quer as mudanças na atual legislação. O aspecto central, como já afirmei, é a definição das regras que determinarão de quem e para quem servirá essa nossa riqueza. As empresas devem atuar submetidas a essa premissa de pertencimento ao Brasil.

Para nós, a legislação em construção, passa pelo fortalecimento da Petrobrás, e com esta compreensão, defendemos que haja uma mudança na atual composição acionária da empresa. Hoje, 38% do capital acionário da Petrobrás estão nas mãos de rentistas estrangeiros e outros 24% com acionistas privados brasileiros. Fato que fragiliza os interesses do povo brasileiro.

Antes mesmo da descoberta do pré-sal, já cobrávamos mudanças neste sentido. Agora, com esse novo cenário, a presença do Estado na composição acionária deve ser mais substancial, caso contrário, a maior parte dos resultados ficará com os acionistas estrangeiros.

Dar a Petrobras uma feição mais pública e menos rentista, a fará atuar no novo marco regulatório como um instrumento garantidor dos interesses nacionais. 

A grande mídia tem tentado desqualificar as propostas de uma nova legislação para o setor. Este é um assunto de interesse nacional, com imensas repercussões para o povo brasileiro… 

A mídia brasileira, a cada dia, vem confirmando que está a serviço da elite brasileira, e esta, por sua vez, entrelaçada com a mundial. Na verdade, a questão de fundo, o que esses setores de fato querem, é não mexer na atual legislação, criada a partir de seus interesses, pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Estão dispostos até a ceder alguns anéis, como alterar a atual política de royalties e/ou aumentar as participações especiais, desde que não se mexa na legislação. Esses setores sabem que a atual lei do petróleo é o que lhes garante a propriedade das reservas de óleo e gás por meio do sistema de concessão atual.

E os meios de comunicação de massa repercutem e avalizam estes posicionamentos. Até mesmo o filho de Jorge Bornhausen, deputado federal do DEM-PR, aquele que disse que queria ficar livre de nossa raça por anos e anos, hoje ocupa a grande mídia travestido de defensor da soberania nacional.

Fica claro que, se há resistência destes setores a uma nova legislação, é porque não querem colocar em risco seus interesses econômicos, e estes não são coincidentes com os do povo brasileiro. 

Como a FUP pretende avançar neste debate para garantir uma legislação que, de fato, atenda aos interesses do povo brasileiro?

 Sabemos que a disputa por esse bem energético tem dimensões mundiais. Não à toa, os Estados Unidos reativaram a sua quarta frota após 60 anos. Aqui no Brasil, essa disputa é latente em diversos segmentos, refletindo-se também no Congresso Nacional. Naquelas Casas legislativas, a correlação de forças em torno da questão da soberania nacional não é tão favorável. E será nelas que se definirão as novas regras para a atividade petrolífera no Brasil

Sendo assim, penso que devemos desenvolver ampla articulação política com diversos segmentos da sociedade, sobretudo com os movimentos sociais, para que possamos interferir e garantir os interesses do povo na nova legislação em elaboração. A história da categoria petroleira se confunde com a história das causas nacionais e mais uma vez atuaremos honrando essa nossa trajetória.

Sabemos que o atual governo apontará um rumo, mas cabe ao povo, de forma organizada, interferir e garantir que a legislação em disputa seja estruturada de forma a responder às mais amplas demandas das gerações atuais e futuras do povo brasileiro.

Em nosso continente, abriu-se uma nova agenda política: o fortalecimento dos Estados Nacionais. Esperamos que o atual governo supere suas limitações em torno desse tema e que ganhe maior convicção política para defender o Estado brasileiro com um olhar mais estratégico.