O caos aéreo e o caos da informação


Geralmente, um dos fatores motivadores de grandes acidentes é não ter tratado de maneira adequada os acidentes menores ou incidentes acontecidos anteriormente.
Pequenos acidentes e incidentes são avisos de que algo está errado. É o sinal amarelo. Muitas vezes, são ignorados. É o que normalmente acontece. Outras vezes, a análise de pequenos acidentes e incidentes é feita de maneira errônea, não servindo para nada, ou pior ainda, deixando que as causas básicas continuem crescendo no sistema, extravasando num momento futuro através de uma grande tragédia. É o que está acontecendo com o a acidente com o Airbus da TAM.
A maneira mais comum de tratar erradamente a análise de um pequeno acidente ou incidente é transferir a causa para aquilo que virou chavão: “Falha humana”. Pronto, está tudo resolvido, acharam um culpado e o problema para os pseudo analistas fica solucionado. Há ainda outras maneiras mais óbvias de se tratar um grande acidente: “Foi uma fatalidade”, “acidentes acontecem”, ou até a versão mais atual “deve ter sido um atentado terrorista”.
Tudo seguindo aquela velha lógica: “Tem um culpado? Então está resolvido”.
A cultura empresarial geralmente é de procurar-se culpados, para evitar que a análise respingue na gestão, o que, logicamente, tem muito a ver com os custos administrativos que podem ser gerados. O desastre do vôo 3054 da TAM tem um pouco de todos esses componentes. Não envolve somente a TAM, mas sim todo o sistema de aviação civil e, principalmente, todas as companhias aéreas.
Quantos pequenos acidentes aconteceram nos últimos anos, somente em Congonhas? Uma série deles, envolvendo quase todas as empresas aéreas. O interessante é que imediatamente as companhias se manifestavam, apontando os prováveis culpados: “A pista” “a   aquaplanagem”…  Houve situação em que o avião foi parar na cabeceira da pista, aquaplanando, ou seja, 1800 metros de surf na pista! Não me lembro de qualquer investigação ocorrida em relação aos pequenos acidentes de Congonhas. Se isto aconteceu, não foi de conhecimento público. O que veio a público sempre foi a primeira versão: “A pista escorregadia”.

O tribunal da mídia
Neste ultimo fatídico acidente da TAM, 30 minutos depois da tragédia, a grande mídia, especializada em “análise de acidentes”, já tinha descoberto o culpado: a pista escorregadia (mais uma vez, a aquaplanagem). Como desta vez ocorreu uma tragédia, as investigações estão sendo feitas e vindo a público, o que não é o usual. Os veículos de informação padecem de um mal crônico, que é o de tirar conclusões precipitas nessas situações de impacto. A grande imprensa comporta-se como um Tribunal, apresentando suas sentenças, antes mesmo da apuração dos fatos. Devido à reincidência nesse erro, parece ficar evidente que, na verdade, a intenção é utilizar situações como essa para fazer a disputa política, desgastando nesse caso o governo federal, que é conduzido por um operário e, portanto, desqualificado para o ocupar o cargo.
Muitas informações foram utilizadas de forma incompleta ou erroneamente. Tudo para tentar justificar a tese sustentada inicialmente pela grande mídia de que havia problemas na pista de Congonhas que ocasionaram o terrível acidente. O sistema aéreo apresenta problemas e, certamente, a gestão desse sistema também. Mas, Congonhas tem muito mais problemas do que o que foi noticiado, o principal deles é a sua localização.
Tardiamente, a mídia começa a tratar o problema do altíssimo tráfego desse aeroporto. Verificando reportagens do início de julho, observa-se uma pressão de setores do governo junto à ANAC para diminuir o número de vôos em Congonhas, mas com reações contrárias fortes. Fica evidente a pressão que as companhias fizeram para transformar Congonhas em centro de conexões e triagem de passageiros, aumentando, significativamente, o número de vôos e gerando um caos que, num efeito cascata, se propagou para todo o país.
Houve pressão da mídia em relação aos atrasos dos vôos e de todo o setor aéreo para aumentar o ritmo, quando o que precisava ser feito era um freio de arrumação. Quando algumas vozes do setor se levantaram pela diminuição do número de vôos, principalmente em Congonhas, as companhias aéreas reagiram imediatamente. Os registros da mídia foram pífios.
Não somente as companhias aéreas chiaram. Houve pressão de todos os setores da sociedade paulistana, dos políticos aos empresários, que exigiam que os vôos permanecessem em Congonhas, no centro da cidade de São Paulo.
Também tardiamente, começaram a aparecer os problemas de manutenção da companhia aérea, bem como a possibilidade de problemas do sistema de controle eletrônico do avião, correlacionados com o manual de orientação do Airbus A-320 e conjugados com uma possível confusão na regulagem dos sistemas de aterrisagem. Embora logo após o acidente do vôo 3054 tenham surgido umas poucas reportagens levantando problemas com esse tipo de aeronave e outros acidentes similares em outras partes do mundo, os meios de comunicação em massa continuaram com o refrão da aquaplanagem. O que parece é que esta versão interessava mais aos setores políticos da direita.
Certamente, vários fatores, inclusive a condição da pista mais lisa pela condição de chuva, compõem uma cadeia de elementos que levaram ao acidente. A pista, no entanto, está cada vez mais distante de ser a condição básica do acidente. Mas a forma como essa versão foi utilizada pela mídia faz muita gente ter a impressão de que a causa do acidente foi a pista. Principalmente, as pessoas que não têm acesso a outros meios de informação se não os telejornais plim-plim. Como cidadãos, que usualmente ou mesmo esporadicamente utilizamos o meio de transporte aéreo, não  podemos deixar que a oposição irresponsável tente se aproveitar de um momento doloroso para agir de maneira oportunista, ajudando a esconder as verdadeiras causas de acidentes como este e, assim, permitir a perpetuação das condições que contribuem para a insegurança dos vôos em Congonhas.

Há anos atuando no setor petróleo, que também tem um rastro de grandes tragédias com mortes e impactos ambientais pelo mundo afora, nós, trabalhadores petroleiros, aprendemos uma regra básica: todo acidente pode ser evitado. Errar é humano, mas não justifica acidente algum, pois, por trás de toda falha, existem outras que a ocasionaram, seja de treinamento, de manutenção, de projeto, de comunicação, de gestão.