Poder aquisitivo dos 10% mais pobres da Argentina caiu quase 24% em quatro meses

Um estudo realizado pelo Centro de Inovação dos Trabalhadores da Argentina (Citra), divulgado segunda-feira (14) pelo jornal Página 12, mostrou que o poder aquisitivo dos 10% mais pobres do país caiu 23,8% nos últimos quatro meses.

A pesquisa, que foi encomendada pelo órgão estatal Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet), aponta como principais causas desse fenômeno o aumento da tarifa de luz elétrica e de gás, o reajuste dos preços dos alimentos e aluguéis, e a eliminação dos impostos de exportação dos bens industriais e agrícolas.

“As famílias com maiores recursos possuem um padrão de consumo intensivo focado em serviços e bens duráveis. As famílias com menos recursos, por outro lado, possuem um padrão focado em alimentos, transporte, aluguel e serviços públicos, como eletricidade. Portanto, quando o motor inflacionário é de raiz cambial ou tarifária, os principais prejudicados estarão entre os mais pobres da sociedade”, indicou a investigação do Centro.

Segundo o órgão, o preço dos alimentos aumentou em 39% entre fevereiro de 2015 e 2016; os aluguéis, em 63%; e as tarifas de energia, em 405% no mesmo período. Estes três itens representam mais de 50% dos gastos das famílias mais pobres.

O estudo também mostrou que a inflação anual chegou aos 35% em fevereiro. Só nesse mês, a inflação foi de quase 5%. Esta é uma das taxas mais elevadas desde 2002, de acordo com o Citra.

Estima-se ainda que a inflação anual não ceda e atinja os 55% em outubro deste ano, superando o limite de 25% projetado pelo ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay.

“As decisões econômicas tomadas desde o dia 10 de dezembro (data da posse de Maurício Macri) geraram uma dinâmica de preços que implicariam em uma taxa de inflação anual, até outubro de 2016, de cerca de 55%. Não parecem existir elementos que apontem para a desaceleração do fenômeno inflacionário”, aponta a pesquisa.

Laboratório de experiências neoliberais

Por Emir Sader, sociólogo e professor da UERJ

O neoliberalismo fracassou na América Latina, fracassou na Europa, fracassou em todos os lugares em que se implantou. Aqui, fez do México sua primeira grande experimentação: em 1994 assinou o primeiro Tratado de Livre Comercio (o Nafta, com os EUA e o Canadá), mas nesse mesmo ano teve a primeira grande crise econômica neoliberal e o grito de Chiapas, em que os zapatistas chamavam a resistir a esse modelo.

O balanço de 20 anos de balanço desse Tratado não podia ser pior para o México, um dos poucos países da América Latina que não melhorou em nada seus índices sociais, mesmo quando a economia cresceu. No livre comercio, uma espécie de luta livre em que vale tudo entre pesos pesados e pesos penas, ganha quem tem mais forca e os EUA saem amplamente vencedores e favorecidos por essa relação privilegiada com o México, pela qual o México paga um preço caríssimo.

À falta do México, os organismos financeiros internacionais passaram a exaltar os índices de crescimento do PIB do Peru como referencia continental. Crescimento que se deu pela manutenção de um modelo de exploração sem controle dos recursos minerais do pais, por empresas estrangeiras, com graves danos ambientais e aos direitos das populações indígenas e camponeses. Tanto assim que, apesar dos índices econômicos, os sociais não melhoram e todos os presidentes se desprestigiam rapidamente e perdem as eleições.

Depois do fracasso como presidente do Chile do empresário de sucesso na empresa privada, Sebastian Piñera, as referencias se concentram sobre Mauricio Macri, que coloca em pratica o modelo neoliberal duro e puro. O novo governo argentino leva totalmente a serio todos os dogmas do liberalismo econômico e trata de coloca-los em pratica.

Tem sido característica dos candidatos de direita na América Latina, nos últimos tempos, diante do sucesso dos governos que sea baseiam na extensão das politicas sociais, prometer que vão compatibilizar o enxugamento do Estado que todos pregam, com a manutenção dessas politicas. E’ a quadratura do circulo, que não lhes custa prometer, porque campanha é campanha, governo é governo (retomando o refrão do Dido, de que “Treino é treino, jogo é jogo”.)

Mas quando ganham, tem que se submeter às alternativas que lhes impõem a realidade. Macri optou, como costumam fazer os governantes de direita, de atribuir ao governo de Cristina Kirchner a herança de um Estado desfeito, de corrupção generalizada, de caixa vazio de recursos, de Estado inflacionado de funcionários, etc. E começou a colocar em pratica, nos primeiros dois meses um desmonte total de tudo o que foi feito pelos governos kirchneristas nos últimos 12 anos, recuperando a Argentina da pior crise da sua historia.

Os resultados não poderiam ser mais desastrosos, com a inflação disparando, o desemprego aumentando aceleradamente, com o governo se recusando a aumentos salariais correspondentes à inflação e se chocando com grandes manifestações populares e com a oposição das centrais sindicais reunificadas em oposição a ele. E com a repressão das manifestações de reação popular.

Depois de governos fracassados, como os do PAN e do PRI no México, do Sebastian Piñera no Chile, de todos os últimos presidentes do Peru, resta agora ao neoliberalismo dizer ao que vem, depois de um governo progressista. Sobre o governo de Macri se voltam os olhos dos venezuelanos e de todos os países em que a oposição de direita se propõe a voltar ao governo, propondo mundos e fundos. A experiência de Macri é o laboratório de experiências neoliberais na América Latina do século XXI. Vejamos no que dá.

Fonte: Opera Mundi e  Agência Latino Americana de Informação