Statoil, Petrobras e o papel do Estado na economia

por William Nozaki e Rodrigo Pimentel Ferreira Leão em Carta Capital

Enquanto o Brasil desmonta suas estatais, a Noruega usa o País como plataforma para internacionalizar as suas companhias
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A plataforma P-54 FPSO no campo de Roncador, que agora tem participação norueguesa (Foto: Geraldo Falcão / Petrobras)

O negócio, fechado em Oslo no último dia 18 de dezembro, passou a valer a partir de segunda-feira 1º e faz com que, no ranking brasileiro, a empresa norueguesa seja a terceira maior exploradora e produtora de petróleo no Brasil, atrás apenas da Petrobras e da anglo-holandesa Shell.

Embora a aquisição de Roncador seja emblemática, entre outros motivos, por se tratar da maior descoberta de petróleo offshore no Brasil da década de 1990 e por possibilitar à Statoil triplicar sua produção no Brasil, esse processo reflete uma estratégia de longo prazo não da Statoil, mas da política industrial do Estado norueguês.

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Até meados dos anos 1990, a política industrial da Noruega no segmento de petróleo e gás era fortemente protecionista e focada no desenvolvimento das forças produtivas internas, seja no elo operação, seja no de fornecedores de petróleo e gás.

Três fatores forçaram, no entanto, uma transição dessa estratégia protecionista rumo à internacionalização da cadeia produtiva de petróleo e gás da Noruega: 1) a entrada, em 1993, do país nórdico no Mercado Comum Europeu, que obrigou a remoção de uma série de instrumentos protecionistas utilizados para subsidiar as empresas locais do setor de petróleo e gás; 2) a manutenção do preço do petróleo a valores relativamente baixos, desde o final dos anos 1980; e 3) a dificuldade de encontrar novas grandes áreas de exploração de petróleo e gás em território local, como ocorreu nas décadas anteriores quando foram descobertos os campos de Statfjord e Gullfaks com elevado volume de reservas.

Aproveitando-se das políticas realizadas entre os anos 1970 e 1980, que permitiram o desenvolvimento de competitivos fornecedores e operadores de petróleo, a Noruega substituiu gradualmente sua politica de favorecimento ao conteúdo nacional pela promoção da internacionalização de suas empresas.

 

Neste sentido, o governo norueguês articulou uma série de medidas visando aumentar a competitividade das empresas nacionais, estimular seus investimentos no mercado internacional e reorganizar suas instituições a fim de promover uma internacionalização competitiva coordenada pelo Estado. Entre essas medidas, cabe citar o fim das cláusulas que obrigavam as companhias estrangeiras a demonstrar – durante o processo de licitação de novos blocos – intenção de contratar fornecedores noruegueses, a criação de dois institutos para, respectivamente, apoiar a internacionalização das empresas e a melhora de competitividade do segmento de petróleo e gás, o INTSOK e o Topplederforum.

Foi na esteira dessas medidas que a gestão das operadoras e fornecedoras de petróleo norueguesas – entre elas, a Statoil – foi modificada visando realizar a sua internacionalização no final dos anos 1990.

Segundo um estudo coordenado pelas consultorias Bain & Company e Tozzini Freire Advogados, a partir do final da década de 1990, “foi um período de intensa consolidação com vistas à internacionalização competitiva. A Saga, terceira empresa de petróleo e gás da Noruega e de capital privado, foi dividida, em 1999, entre a Statoil e a Hydro, primeira e segunda maiores do setor, respectivamente. Em 2001, o governo decidiu abrir o capital de parte da Statoil e posteriormente, em 2007, as duas empresas se uniram para formar a StatoilHydro. (…) Ainda em 2001, a Aker e a Kvaerner fundiram-se e passaram a ser o maior fornecedor de serviços para a indústria de petróleo e gás norueguesa e aumentar sua competitividade global”.

Com os fortes investimentos realizados pela Petrobras na segunda metade dos anos 2000 e a descoberta do pré-sal, o Brasil se tornou um mercado prioritário na estratégia de internacionalização do governo e das empresas norueguesas. Com a janela de oportunidade criada a partir da abertura e liberalização do pré-sal desde 2016, não apenas a Statoil, como também outras empresas norueguesas do setor reforçaram seu ingresso no mercado brasileiro.

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O CEO da Statoil, Eldar Sætre, e Pedro Parente: entrega

No último ano, a Statoil intensificou seu apetite sobre as reservas brasileiras do pré-sal (com a compra do Norte de Carcará por 2,5 bilhões de dólares, cerca de 8,2 bilhões de reais), avançou sobre os campos e blocos offshore no Brasil, além de ter ampliado seu investimento em um projeto de energia solar no Nordeste do País em uma parceria com a também nórdica e estatal Statec.

Além disso, desde 2016, as fornecedoras Aker Solutions e a MH With, ambas norueguesas, abriram novas plantas produtivas, respectivamente, em São José dos Campos (SP) e em Macaé (RJ), totalizando investimentos superiores a 150 milhões de dólares.

Novamente deve-se reafirmar que esses investimentos não são ações isoladas de cada empresa, mas obedecem a uma diretriz estratégica do Estado norueguês de fortalecimento das suas cadeias produtivas em escala global. Um documento do Ministério de Comércio, Indústria e Pesca da Noruega de 2017, intitulado “Estratégia para exportação e internacionalização” destaca a importância do Brasil para a expansão do setor de petróleo e gás na Noruega: “O Brasil é estratégico na cooperação de campos de petróleo desde 2013 (…) e é também um dos maiores mercados para a indústria de fornecedores high-techda Noruega”.

É curioso observar: enquanto o Brasil desmonta suas empresas estatais, a Noruega possui uma estratégia nacional na qual as associações e joint ventures entre suas empresas públicas de energia e tecnologia no mercado brasileiro tem um papel central para o seu desenvolvimento industrial de longo prazo. Isso é exemplificado pela forma distinta como os presidentes da Petrobras e da Statoil tratam a questão do pré-sal.

Em uma de suas primeiras declarações como presidente da Petrobras, Pedro Parente afirmou ter havido “uma ideologização, um certo endeusamento do pré-sal”. A declaração contrastou com a avaliação feita pelo chefe de operações da Statoil no Brasil, Anders Opedal: “Estamos ansiosos para trabalhar com a Petrobras para maximizar o potencial do campo de Roncador. A combinação da experiência da Statoil em recuperação avançada de reservatórios e da Petrobras em águas profundas e pré-sal nos permitirá uma produção maior e mais duradoura”. 

A estratégia da companhia norueguesa tem como uma de suas diretrizes prioritárias reforçar sua presença no País (veja o quadro no final do texto). Isso se dá, pois, além da Statoil fazer parte de uma estratégia nacional de internacionalização produtiva, a companhia enxerga no plano de desinvestimentos da Petrobras uma oportunidade de consolidar sua posição estratégica no país do pré-sal.

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Esse fato é reforçado pela recente aprovação da Medida Provisória 795 (Repetro) que isenta de tributação petrolíferas estrangeiras que operam no Brasil e facilita a entrada de máquinas, equipamentos e engenheiros de fora do País. Prova disso é a contratação pela Statoil da estrangeira Seadrill para a construção de uma sonda de perfuração que deve servir à exploração das áreas do pré-sal.

Além disso, o negócio fechado neste mês de dezembro garantiu à Statoil o acesso ao Terminal de Cabiúnas (Tecab), o maior ponto de recebimento de gás natural produzido em campos marítimos, e até hoje utilizado exclusivamente pela Petrobras. O acesso a esse terminal, localizado em Macaé, passou recentemente por um processo de ampliação de sua capacidade produtiva, podendo processar até 25 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural e cerca de 70 mil baris por dia de gás natural condensado. Trata-se de mais um caso em que a empresa estatal brasileira amplia investimentos e absorve riscos para, na sequência, repassar seus ativos para terceiros.

O negócio fechado entre a Statoil e a Petrobras ainda precisa de validação do TCU, dado que o processo aconteceu sem a concorrência de outras petrolíferas, com a justificativa de que apenas a Statoil tem expertise e tecnologia para a recuperação de reservas em campos maduros e de produção declinante.

A negociação de mais esse ativo da Petrobras explicita como a empresa segue na contramão das grandes companhias do setor, enquanto empresas como Statoil buscam se transformar em grandes companhias de energia operando com múltiplas matrizes e potencializando a exploração e produção de óleo e gás.

E reflete também a existência, por um lado, de um politica estratégica de longo prazo no caso norueguês e, por outro, uma visão de curto prazo no Brasil que desorganiza os avanços setoriais realizados na última década e meia.

Exemplo disso é que, diferente do que ocorreu na abertura do setor de petróleo e gás na Noruega, a Petrobras paulatinamente vai se retirando de outros segmentos de energia e vai tornando cada vez mais tímido seu protagonismo na exploração e produção de petróleo, correndo o risco de condenar o País à importação de derivados. Sob o falso argumento de que empresas estatais são por natureza ineficientes abre-se o mercado brasileiro para a eficiência de empresas estatais estrangeiras, como a norueguesa Statoil. 

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*William Nozaki é professor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP). Rodrigo Leão é economista e mestre em desenvolvimento econômico (Unicamp). Foi gerente executivo de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). Atualmente, é um dos coordenadores do Geep/FUP e pesquisador da Cátedra Celso Furtado/FESP-SP.